Profissionais liberais fazem lobby por tratamento diferenciado na Reforma Tributária

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Atualmente contemplados por regras mais benevolentes de cobrança e pagamento de tributos, grandes prefeituras e representantes de profissionais liberais intensificaram o lobby no Senado para tentar emplacar mudanças na Reforma Tributária.

Para esses grupos, a PEC (proposta de emenda à Constituição) aprovada na Câmara dos Deputados é considerada prejudicial e precisa de ajustes. Já especialistas avaliam que as resistências buscam perpetuar distorções existentes no sistema atual.

Um dos pontos que mobilizam as negociações é a tributação das sociedades civis de profissões regulamentadas, que incluem advogados, médicos, dentistas, contadores, engenheiros, arquitetos, entre outras categorias.

Prestadores de serviços dessas áreas contam com um benefício tributário no recolhimento do ISS (Imposto sobre Serviços). Em vez de pagar uma alíquota de 2% a 5% sobre o serviço, os profissionais pagam um valor fixo, mesmo que atuem em sociedade (desde que pertençam à mesma classe).

A cobrança varia conforme o município. Na cidade de São Paulo, segundo informações públicas, uma sociedade uniprofissional com sete integrantes paga o equivalente a R$ 150,94 por pessoa. Com 24 profissionais, a cobrança vai a R$ 473,78 por indivíduo. Há casos em que o pagamento pode chegar a R$ 800 por pessoa.

O benefício vale para sociedades que estão fora do Simples Nacional, que abriga empresas com faturamento de até R$ 4,8 milhões ao ano. Ou seja, quem usufrui do incentivo tem ganhos acima disso. Muitas estão no regime de lucro presumido, que tem outras vantagens, como a alíquota de 3,65% de PIS/Cofins.

Na Reforma Tributária, o ISS será unificado no novo IVA (Imposto sobre Valor Agregado), junto com PIS/Cofins, IPI e ICMS.

Sob o desenho atual, muitas categorias passarão a ter os serviços tributados pela alíquota cheia, estimada entre 25,45% e 27% pelo Ministério da Fazenda. Algumas classes, como médicos, podem eventualmente ser alcançadas por regimes diferenciados, que preveem cobrança de 40% da alíquota-padrão para atividades como saúde.

Membros do Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) se reuniram no início de agosto com o relator, senador Eduardo Braga (MDB-AM), e com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que é advogado por formação, para reivindicar mudanças.

A entidade quer emplacar na Reforma Tributária um regime específico para as sociedades de profissão regulamentada, com escalonamento de alíquotas, nos moldes do que foi previsto para combustíveis e serviços financeiros.

“O regime diferenciado para sociedades profissionais se justifica pois, como as pessoas físicas tomadoras de serviços não poderão descontar créditos de IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), não haverá qualquer incentivo para a emissão de notas fiscais (a chamada fiscalização cruzada), com igual prejuízo de arrecadação no imposto sobre a renda”, diz a OAB em nota divulgada em seu site. A emissão de nota fiscal é um dos principais instrumentos de combate à sonegação de tributos.

A especialista Melina Rocha, consultora internacional de IVA, afirma que grande parte dos serviços jurídicos é prestado para empresas, que hoje não podem aproveitar créditos a partir dos tributos embutidos no preço. Com a reforma, as sociedades profissionais vão se beneficiar da possibilidade de passar a dar crédito para seus clientes.

No caso de escritórios que prestam serviço para pessoas físicas, ela afirma que a maior parte está no Simples Nacional, regime simplificado blindado pela PEC. Uma pequena proporção está fora do Simples e presta serviço para pessoa física. “O tributo vai incidir por fora [destacado do preço do bem ou serviço]. Quem pagará serão os clientes”, diz ela.

O advogado Eduardo Fleury, membro do escritório FCR Law e consultor do Banco Mundial, realizou um levantamento a partir da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares), do IBGE, e identificou que 69,5% dos gastos com advogados no Brasil estão concentrados nos 30% com maior renda no país.

“As pessoas de renda mais baixa não só gastam muito pouco com serviço advocatício, mas também acessam um advogado que cobra mais barato e geralmente está no Simples. Se der um benefício fiscal para o advogado, é uma distribuição de renda às avessas. Não faz sentido”, critica Fleury.

Ele reconhece que, quando sociedades profissionais fora do Simples forem vender seus serviços a pessoas físicas, pode haver um aumento de 12,25% na carga tributária. Ainda assim, ele argumenta que o público consumidor tem condições de absorver o impacto.

“No sistema maluco em que a gente vive, tem gente que paga mais, tem gente que paga menos. Quando se quer nivelar e atinge quem está na parte de cima, surgem reclamações. Não tem o menor sentido ter redução de alíquota para advogado”, afirma.

O advogado Luiz Gustavo Bichara, procurador tributário da OAB Federal, diz compreender a crítica à baixa tributação dos escritórios de advocacia, mas reclama da ausência de uma transição. Segundo ele, já no início da aplicação da reforma, com a extinção de PIS/Cofins, a cobrança vai subir de 3,65% para 12%, “do dia para a noite”.

“Imagina a situação de um escritório que está no lucro presumido, que paga 3,65% de PIS/Cofins mais o ISS fixo e passa a pagar 28% [estimativa de IVA ao fim da transição]. É um aumento de carga de mais de 500%. Precisa ter uma acomodação”, diz Bichara.

“A gente elogia a PEC, só que precisa ter uma discussão um pouco mais serena em relação a isso. Está havendo um pouquinho de insensibilidade. Tem uma carga de preconceito muito grande contra advogado”, diz.

DISTORÇÕES ESTIMULAM ARTICULAÇÃO DE MUNICÍPIOS

Distorções relacionadas à cobrança dos tributos pelos municípios também alimentam o lobby de grandes prefeituras por mudanças. Hoje, o imposto é recolhido na origem, onde produtores de bens ou prestadores de serviços estão sediados.

A reforma prevê transferir a cobrança para o destino, onde ficam os consumidores, provocando uma grande redistribuição de receitas.

“Hoje temos cidades que não arrecadam nem R$ 10 por habitante, metade arrecada menos de R$ 100. Depois da reforma, a menor das receitas seria R$ 172 por habitante, e 50% das cidades passariam a ter receita entre R$ 172 e R$ 500”, estima o economista e pesquisador Sérgio Gobetti, especialista na área tributária.

Segundo ele, só 18% dos municípios devem ter sua fatia no ISS reduzida. Ainda assim, em 20 anos, dois terços deles estariam ganhando mais em valores absolutos.

Os “perdedores de verdade”, com queda de arrecadação, seriam 13 em 20 anos e 32 em 50 anos –principalmente cidades-sede de refinarias e hidrelétricas. Isso num cenário pessimista de PIB. Se o crescimento for de 2,5% ao ano, só cinco municípios perdem receitas.

O prefeito de Campinas, Dario Saadi, vice-presidente da FNP (Frente Nacional dos Prefeitos), diz que a extinção do ISS é uma “agressão” contra as médias e grandes cidades. “A perda da autonomia do ISS é cruel. Vai penalizar, comprometer o serviço das grandes cidades daqui a oito, dez anos”, afirma.

Ele argumenta que, embora municípios maiores concentrem a arrecadação do ISS, eles também prestam serviços básicos à população de pequenas cidades. O custo pode ficar entre 20% e 25% do orçamento das grandes prefeituras para a saúde, por exemplo.

“Se os municípios perderem a autonomia do ISS, o atendimento de saúde vai ficar ruim também para cidades menores, que dependem das cidades maiores”, diz Saadi. “Não se trata de briga de município grande com município pequeno. Mas os grandes municípios estão arcando com parte grande do custo.”

A FNP pede ampliação dos repasses como compensação. A CNM (Confederação Nacional dos Municípios), entidade que concentra a representação de pequenas prefeituras, defende a unificação dos tributos e a redistribuição das receitas.

“Quem tem demais não quer perder nada, e não tem como manter essa injustiça no Brasil. A cobrança precisa ser onde está o cidadão, não onde está a empresa, o polo petroquímico, a empresa de cartão de crédito. A reforma é muito crítica para nós”, diz o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski.

ENTENDA A REFORMA TRIBUTÁRIA SOBRE O CONSUMO

– Tributos extintos

IPI (federal)

PIS (federal)

Cofins (federal)

ICMS (estadual)

ISS (municipal)

– Tributos criados

CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), federal

IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), estadual e municipal

Imposto Seletivo (sobre produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente)

– Alíquotas

Padrão: 25,45% a 27%

Reduzida: 40% da padrão, válida para:

– serviços de educação

– serviços de saúde

– dispositivos médicos e de acessibilidade para pessoas com deficiência

– medicamentos e produtos de saúde menstrual

– serviços de transporte coletivo rodoviário, ferroviário e hidroviário

– produtos agropecuários, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura

– insumos agropecuários, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal

– produções artísticas, culturais, jornalísticas e audiovisuais nacionais e atividades desportivas

– bens e serviços relacionados a segurança e soberania nacional

Outras reduções permitidas (via lei complementar):

– Isenção para transporte coletivo

– Redução de 100% das alíquotas para medicamentos e dispositivos médicos para pessoas com deficiência, além de produtos hortícolas, frutas e ovos

– Adesão opcional ao regime de IBS/CBS para produtor rural pessoa física ou jurídica com receita anual de até R$ 3,6 milhões

Regimes específicos de tributação:

– Combustíveis e lubrificantes

– Serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde e concursos de prognósticos

– Operações contratadas pela administração pública direta, por autarquias e por fundações públicas

– Sociedades cooperativas

– Serviços de hotelaria, parques de diversão e parques temáticos, bares e restaurantes e aviação regional

Como funciona a transição:

– Implementação começa em 2026, com alíquota-teste de 0,9% para a CBS e de 0,1% para o IBS

– Em 2027, PIS e Cofins serão extintos e substituídos pela nova alíquota de referência da CBS (8,53% a 9,05%, segundo estudo da Fazenda)

– Migração do ICMS e ISS para o novo imposto será mais lenta. Alíquota permanece em 0,1% até 2028 e sobe gradualmente de 2029 a 2033

ENTENDA O LOBBY NO SENADO FEDERAL

Profissionais liberais

Sociedades civis de profissões regulamentadas possuem benefícios tributários, como:

advogados

médicos

dentistas

contadores

engenheiros

arquitetos

Regras atuais: prestadores de serviços fora do Simples Nacional recolhem ISS municipal por um valor fixo, em vez de pagar uma alíquota de 2% a 5% sobre o serviço. O sistema vale mesmo para quem atua em sociedade (desde que seus membros pertençam à mesma classe). Além disso, há quem recolha PIS/Cofins pelo regime de lucro presumido, pagando alíquota de 3,65%

Alíquota cheia: boa parte dessas categorias será alcançada pela alíquota cheia, de 25,45% a 27%. Para evitar a alta na carga tributária, elas pedem um regime específico de tributação.

Grandes prefeituras:

– Grandes municípios, incluindo algumas das principais capitais brasileiras, têm no ISS uma das principais fontes de arrecadação e temem perder autonomia com a Reforma Tributária.

– Já os pequenos municípios almejam aprovar a proposta para melhorar a distribuição de receitas entre as cidades.

– Representantes das maiores prefeituras querem compensações para abrir mão do ISS.

IDIANA TOMAZELLI / Folhapress

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