BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Em cinco anos, um projeto de segurança de pacientes internados em UTIs (unidades de tratamento intensivo) de 303 hospitais do SUS (Sistema Único de Saúde) conseguiu reduzir em mais de 50% as taxas das infecções relativas à assistência à saúde, como as associadas a cateter ou à ventilação mecânica. Com isso, foram evitadas cerca de 5.000 mortes.
Realizada pelo Ministério da Saúde em parceria com seis hospitais de ponta (Albert Einstein, Sírio-Libanês, BP, Hcor, Oswaldo Cruz e Moinhos de Vento) que integram o Proadi (Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS), a iniciativa aponta para uma economia de R$ 718 milhões gerada aos cofres públicos.
De acordo com o balanço do projeto, divulgado nesta quinta (7) em Brasília, entre 2018 e 2023, foram evitadas 3.602 infecções da corrente sanguínea associada o uso de cateter venoso central, outras 4.581 relacionadas ao cateter vesical e 4.935 pneumonias por ventilação mecânica. Ao todo, foram acompanhados 439 mil pacientes.
“A infecção hospitalar não só deixa o paciente mais tempo internado, consumindo mais recursos públicos, como também faz com que muitos pacientes morram”, diz Fernando Torelly, superintendente do Hcor, que integra o Proadi.
Numa primeira etapa, os hospitais públicos foram visitados por equipes profissionais especializados em segurança do paciente, que fizeram um acompanhamento da rotina nessas instituições.
Entre os problemas observados estavam a falta de clareza dos protocolos para a prevenção das infecções, hospitalares, a insuficiência de recursos para o diagnóstico precoce, como exames no tempo certo para detectar o tipo de infecção e iniciar o tratamento de forma rápida, e a ausência de um programa de educação continuada permanente.
De uma forma geral, é a alta rotatividade dos profissionais de saúde e, se não há um treinamento permanente, a tendência é que os ganhos obtidos em cursos isolados de capacitação se percam. “Quem entrar no lugar, se não tiver preparado, ele estraga tudo de novo. Esse é um problema quase sistêmico”, diz Torelli.
Apenas 6% dos hospitais brasileiros possuem alguma forma de acreditação hospitalar, que também é uma ferramenta que ajuda a melhorar os processos dentro dos hospitais.
Segundo Nilton Pereira Júnior, diretor do Departamento de Atenção Hospitalar, Domiciliar e de Urgência do Ministério da Saúde, os vários modelos de gestão nos serviços públicos, como as organizações sociais de saúde (OSS) e as fundações e a queda do financiamento em saúde reduziram as vagas estáveis para profissionais de saúde, o que explica a alta rotatividade.
“Isso diminui a capacidade de treinamento. Quando chegam dez novos profissionais em um hospital, em geral, o déficit está grande que o gestor não consegue deixar o profissional treinando uma semana.”
Em conjunto com as equipes dos hospitais públicos, os profissionais do Proadi montaram protocolos assistenciais de acordo com a realidade de cada instituição e todo o processo passou a ser monitorado.
“Todos os hospitais tinham que reportar para o grupo central do projeto os seus resultados, e a equipe voltava lá regularmente para checar se eram realmente aqueles”, conta Torelly.
Segundo ele, o engajamento dos profissionais de saúde na maioria dos hospitais públicos foi “fantástico”. “Dá orgulho de ser brasileiro quando lá na ponta, com poucos recursos e muitas dificuldades, o pessoal tá fazendo o máximo possível.”
De acordo com Pereira Júnior, do Ministério da Saúde, o projeto, que envolveu UTIs de adultos, pediátricas e neonatais, deve avançar a partir do próximo ano para todas as áreas assistenciais dos hospitais, como as salas cirúrgicas, as enfermarias e os prontos-socorros.
Ele diz que o ministério está concluindo um levantamento em que foram apontados gargalos importantes, como a falta de comissões de controle de infecção hospitalar. “Muitos hospitais não têm núcleos de segurança do paciente. Temos que ter uma equipe que vai ficar ali para tocar o programa quando o Proadi não estiver mais lá.”
O país tem um programa nacional de segurança do paciente há dez anos, desenvolvido pelo Ministério da Saúde, mas, segundo Pereira Júnior, ele tem limitações. Uma delas é não ter equipes que consigam ir até os hospitais e fazer esse acompanhamento presencial dos hospitais que foi feito com o Proadi.
O passo seguinte do projeto será olhar para rede pública de saúde como um todo. “Não adianta nada organizar um hospital se a gente deixar a UPA, o centro de referência desarticulados ou mesmo os hospitais de pequeno porte. Todos esses projetos têm que articular com as grandes diretrizes do ministério.”
Pereira Júnior diz que é preciso também também mudar a cultura de “fulanizar” os eventos adversos relacionados à segurança do paciente.
“Não se pode achar que a culpa é somente da enfermeira, da técnica de enfermagem que aplicou a medicação errada no paciente e gerou um óbito, ou que não lavou as mãos e causou infecção. É uma questão institucional. Tem um comportamento pessoal, mas tem também todo um ambiente que promoveu ou não promoveu a segurança do paciente.”
Para ele, é preciso mudar o paradigma de só penalizar a pessoas. “Precisamos melhorar as condições de trabalho, dar sustentabilidade, para que a pessoa se sinta segura de reportar um problema na beira do leito sem ter medo que isso se vire contra ela.”
Essa cultura de segurança do paciente, pontua Pereira Júnior, deveria começar já nas graduações e cursos técnicos de todos os profissionais de saúde.
CLÁUDIA COLLUCCI / Folhapress