GUARUJÁ, SP (FOLHAPRESS) – Roupas íntimas, latas, plásticos, vidros, garrafas, produtos importados. Materiais poluentes viraram fonte de renda para pescadores artesanais que trabalham com arrasto de camarão e estão cadastrados no programa estadual Mar Sem Lixo, desenvolvido em seis cidades do litoral paulista.
A iniciativa já retirou 23,1 toneladas de lixo do fundo do mar, de manguezais e de ilhas próximas, o que representou remuneração de R$ 213.106,00 aos 231 pescadores participantes.
É o caso de Edenílson Batista, 42, um dos que receberam a reportagem, na tarde desta quinta-feira (15), na praia do Perequê, em Guarujá (SP). Ele divide sua atividade entre antes e depois do Mar Sem Lixo.
“Antigamente, ninguém falava ah, se eu limpar vai melhorar. Pensava: o mar vai levar, daqui a pouco some. E não é assim. Ainda bem que as coisas vão evoluindo e a gente também aprende”, diz.
Batista acrescenta: “Esse lixo todo enche dágua e, por isso, vai parar no fundo do mar. Quando tiramos durante a pesca do camarão, o lixo que aparece está chapado de lama e com outros resíduos. Era mesmo preciso motivar os pescadores para ampliar a retirada e dar a destinação certa”.
Quando reaproveitáveis, os materiais são direcionados para cooperativas de reciclagem. Caso os rejeitos não possam ser reutilizados vão para aterros sanitários.
O pescador diz que o programa “veio em boa hora” para ajudar em casa, onde mora com a esposa e duas filhas. A remuneração pelo recolhimento do lixo ocorre por meio de cartão-alimentação, com valores mensais previstos de até R$ 653,00. “Eu tiro uns R$ 500 e poucos. Aí colocamos mais uns R$ 300 em cima e já dá para fazer uma compra boa.”
Casado e pai de três filhos, o também pescador Marcos Antonio Schneder, 53, concorda que o incentivo vem funcionando.
“A gente pega de 30 a 40 quilos de lixo durante a pesca. Tudo é pesado. E, com o cartão que recebemos, vamos no atacadão fazer compra. Outros pescadores vão aderir. Imagine se ninguém se motivasse para trazer o lixo: como é que ia ficar o mar?”
De fato, o lixo no mar, além de poluir as águas e causar danos aos animais marinhos, provoca também riscos à saúde devido à liberação de substâncias químicas que se acumulam nas cadeias alimentares, contaminando mexilhões, ostras e outros animais consumidos pelo ser humano. Plásticos são “sujões” campeões: 90,7% do total.
AVAL AMBIENTAL
Membro da quarta geração de pesca de sua família, Jackson Xavier da Silva, 40, hoje atua como agente ambiental da Fundação Florestal -responsável pelo Mar Sem Lixo e vinculada à Semil (Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística) do estado de São Paulo.
“Cem quilos de lixo por mês correspondem aos R$ 653,00 por mês que constam da nossa tabela. Só que o pescador artesanal não trabalha 30 dias. No máximo, 15, porque tem ressaca, vento, épocas sem camarão. A média, portanto, é de 40 quilos por mês, o que dá R$ 535 reais no vale-alimentação”, explica.
O presidente da Associação dos Pescadores, Aquicultores e Prestadores de Serviço de Turismo do Guarujá, Fabio Luiz Laurindo, 58, conta que, além do incentivo financeiro, os pescadores têm apoio de logística na entidade, para onde o material recolhido é inicialmente levado. “O que é bom para o pescador e para o meio ambiente tem nosso aval”, afirma.
Gestora da APA (Área de Proteção Ambiental) Marinha do Litoral Centro, Maria Lanza, 41, lembra que o lixo do mar sempre estava presente entre as pautas prioritárias levantadas pelos pescadores.
“Quando foi feito o plano de manejo das APAs, isso surgiu como uma meta”, conta. Ela emenda que outros municípios estão pedindo para participar do programa -“já fizeram até abaixo-assinado”- e essa ampliação poderá ocorrer numa próxima fase.
“Com o Mar Sem Lixo, criamos mecanismos de incentivo para a melhoria ambiental do nosso litoral e geramos um benefício social e econômico aos pescadores, que são parceiros muito importantes nesse trabalho”, afirma a secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, Natália Resende.
O Mar Sem Lixo começou em junho de 2022 em Cananeia, Itanhaém e Ubatuba. Desde então, até 2023, foram recolhidas pouco mais de três toneladas.
Em novembro do ano passado, ao ser expandido para Bertioga, Guarujá e São Sebastião, o programa experimentou um impulso no recolhimento, totalizando as mais de 20 toneladas agora anunciadas. O município com maior quantidade de recolhimento é justamente Guarujá (com quase 9 toneladas até o momento).
JOÃO PEDRO FEZA / Folhapress