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Projeções do governo mostram que arcabouço fiscal é insustentável, afirmam especialistas

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O risco de esgotamento das despesas livres do Poder Executivo, sinalizado no envio do PLDO (projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2026, escancarou a insustentabilidade do arcabouço fiscal proposto pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na avaliação de especialistas ouvidos pela reportagem.

A necessidade de reincluir as sentenças judiciais sob o limite de gastos a partir de 2027, primeiro ano de mandato do próximo presidente da República, praticamente acaba com o espaço disponível para ações de custeio e investimentos, e compromete até mesmo os pisos de saúde e educação.

Mesmo que o limite do arcabouço seja recalculado, para incluir ou retirar a fatura integral dos chamados precatórios, a margem para as despesas discricionárias seria insuficiente.

“O precatório vai ser o gatilho para revisar uma regra que seria insustentável de qualquer jeito. Não tem maneira de recálculo que abra um espaço significativo”, afirma o economista Jeferson Bittencourt, chefe de macroeconomia do ASA e ex-secretário do Tesouro Nacional.

O recálculo do arcabouço consiste em rever os valores que serviram de ponto de partida para os limites da regra fiscal criada pela equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda). A lei estipulou como bases as despesas orçadas em 2023.

Na ocasião, apenas parte do gasto com sentenças judiciais entrou no cálculo, uma vez que o teto para precatórios aprovado no governo de Jair Bolsonaro (PL) ainda estava em vigor.

No fim de 2023, o STF (Supremo Tribunal Federal) declarou inconstitucional o represamento das sentenças e autorizou uma espécie de transição, com parte do valor fora das regras fiscais até 2026.

O governo ainda não decidiu como tratará os precatórios a partir de 2027. No passado, quando houve determinações para incluir ou excluir despesas da regra, o procedimento passou pela revisão dos limites desde a origem.

A pedido da reportagem, Bittencourt estimou qual seria o espaço extra gerado pela reinclusão da fatura integral de sentenças. Em 2027, o adicional seria de R$ 60,1 bilhões, insuficiente para cobrir os R$ 63 bilhões a R$ 65 bilhões incorporados sob o limite devido ao fim da exceção, segundo estimativas do próprio Ministério do Planejamento.

Segundo o economista, se a opção fosse retirar todos os precatórios do limite de forma reatroativa, o saldo final seria semelhante, com o agravante de fragilizar a regra fiscal e abrir brecha para outras exclusões.

Bittencourt observa que, em 2027, os gastos discricionários estarão em R$ 122,2 bilhões. Mesmo que houvesse recálculo, o valor subiria para R$ 182,3 bilhões em 2027, equivalente a apenas 1,27% do PIB (Produto Interno Bruto). Este ainda seria o menor patamar já observado para este tipo de despesa.

“Não parece ser um patamar que deixe este governo confortável. Haveria risco de paralisação em algumas coisas. O patamar previsto para o ano que vem, de 1,5% [do PIB], já será o menor nível do atual mandato”, afirma.

Uma terceira possibilidade seria retirar integralmente os R$ 124,3 bilhões em sentenças previstas para 2027, sem recalcular o limite desde o ponto de partida. Embora isso garanta folga maior no Orçamento, o economista do ASA avalia que a proposta carece de fundamento técnico.

“Não faz sentido. Vai continuar incorrendo na despesa e criar um espaço que não existia. Perverte a lógica do próprio arcabouço, de que o limite de 2023 cresce no máximo 2,5% ao ano [acima da inflação]”, diz.

Para ele, os números expõem a necessidade de discutir também outras despesas obrigatórias que estão sob o limite, como o abono salarial (espécie de 14º salário pago a parte dos trabalhadores com carteira assinada).

No PLDO, o governo previu uma economia de cerca de R$ 10 bilhões ao ano até 2029 com a revisão de gastos, com foco em benefícios previdenciários, Proagro (seguro rural para pequenos e médios produtores) e BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda. As ações são consideradas tímidas pelos analistas.

Carlos Kawall, sócio-fundador da Oriz Partners e ex-secretário do Tesouro Nacional, avalia que os gastos obrigatórios foram subestimados pelo governo e que um pente-fino de benefícios previdenciários, por exemplo, não soluciona o problema.

“As previsões que fizeram, no ano passado, foram totalmente furadas. Primeiro, a própria economia em si não é suficiente para resolver o problema. Segundo, acaba vindo um valor muito inferior ao previsto”, diz.

Ele também avalia que o foco na questão dos precatórios mascara a inconsistência de origem do arcabouço fiscal. Segundo Kawall, uma regra com expansão real de até 2,5% ao ano não é sustentável, e os mecanismos de correção do salário mínimo e dos pisos de saúde e educação são inconsistentes com a própria regra fiscal.

“A regra nunca foi consistente temporalmente. Agora, que já está chegando mais perto do fim do governo, isso está ficando cada vez mais óbvio”, afirma. Para ele, a solução para as sentenças judiciais, isoladamente, é pouco relevante diante de um problema maior. “A regra vai continuar sendo inconsistente.”

A mesma lógica vale para a trajetória da dívida, avalia o ex-secretário do Tesouro. O problema não são só os precatórios, mas a tendência de gastos como um todo. O governo prevê que a dívida bruta alcance o pico de 84,2% do PIB em 2028, número considerado “menos irrealista” pelo economista, mas ainda distante do projetado pelo mercado, que vê a dívida acima de 90% do PIB até o fim da década.

Para corrigir a rota, ele defende uma solução estrutural já em 2026, ainda que o caminho não seja politicamente fácil. “Vai ter que, por um bom tempo, deixar o salário mínimo crescer só pela inflação, rever parâmetros da Previdência Social.”

Kawall diz que, quanto maior for a demora do governo, maior será o custo para o país. “O superávit primário necessário para estabilizar a dívida vai ter que ser mais alto, mais empresas vão quebrar, mais pessoas físicas ficarão inadimplentes. O custo desse ajuste está se acumulando, dado que a opção é não fazê-lo até a eleição.”

IDIANA TOMAZELLI E NATHALIA GARCIA / Folhapress

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