Projeto de concessão de Jericoacoara sob Lula enfrenta questionamentos no Ceará

RECIFE, PE (FOLHAPRESS) – A quarta tentativa de transferir a gestão do Parque Nacional de Jericoacoara, no Ceará, a 370 km de Fortaleza, para a iniciativa privada tem despertado alertas e questionamentos de ambientalistas, moradores da região e do governo do Ceará.

O projeto de concessão do local, que abriga ecossistemas marinhos e áreas de dunas, mangues e restingas, foi publicado no dia 15 de setembro pelo governo federal, que defende que os investimentos nesse modelo são necessários para a manutenção do parque.

No edital, a área da concessão engloba 7.850 hectares, dentre os 8.854 hectares de superfície total do parque. O documento foi concebido pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), a pedido do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).

A modelagem prevê a transferência da gestão do parque para a iniciativa privada por 30 anos, a partir da empresa que ganhar a disputa em janeiro de 2024. O valor do contrato é de R$ 298 milhões.

Há previsão de investimentos de aproximadamente R$ 116 milhões em infraestrutura no parque -a maior parte deve ocorrer nos primeiros cinco anos da concessão. Estão previstos ainda R$ 91 milhões em projetos de pesquisa, manejo de espécies e apoio a projetos de mobilidade para moradores e trabalhadores da Vila de Jericoacoara.

O atual edital já foi modificado, de acordo com o ICMBio, após discussões anteriores com o governo do Ceará. A alteração incluiu a isenção do pagamento de ingressos para pessoas inscritas no CadÚnico (Cadastro Único) do governo federal, ampliando o escopo das isenções para visitantes ao parque nacional.

Já houve tentativas de realizar a concessão em 2014, no governo Dilma, em 2018, no governo Temer, e em 2022, no governo Bolsonaro.

Em 2014, o projeto foi cancelado ainda na fase de consulta pública, após críticas por parte da população e ambientalistas. Em 2018, o ICMBio promoveu reuniões com segmentos de Jericoacoara, mas a proposta não avançou.

Já em 2019, o ICMBio solicitou a inclusão do projeto de concessão no Parque Nacional de Jericoacoara no Programa de Parcerias e Investimentos do governo federal e, por meio de um acordo de cooperação do Ministério do Turismo, contratou, em 2021, a realização de novos estudos para o projeto de concessão com o auxílio do BNDES. Esses estudos culminaram no processo atual.

“A gente acredita que, se não houver uma concessão, perderemos uma oportunidade de trazer investimentos necessários para o parque e também para a população que sobrevive do parque”, afirma a superintendente da área de estruturação de projetos do BNDES, Luciene Machado.

Atualmente, o ICMBio é o órgão gestor do Parque Nacional de Jericoacoara. Em caso de concessão, será o gestor do contrato de concessão e fiscalizador das ações da empresa privada, além do responsável por monitorar as áreas de unidades de conservação.

Pelo edital, as áreas de vegetação que não sejam acessadas pelos usuários e pelas áreas de visitação e trilhas não serão consideradas sob responsabilidade da concessionária.

O novo contrato de concessão estabelece o valor máximo a ser cobrado do visitante, por dia, variando R$ 50 no primeiro ano até R$ 120 a partir do quinto ano da concessão.

A cobrança de ingresso ocorrerá somente para os visitantes do Parque Nacional de Jericoacoara. Não terão que pagar o ingresso moradores, frequentadores e trabalhadores da região, crianças até seis anos de idade, estudantes e professores para atividades de educação ambiental, pesquisadores, servidores e agentes de segurança pública no exercício de suas funções, guias de turismo nem condutores de visitantes cadastrados.

O contrato não prevê a construção de grandes estruturas, um dos temores dos ambientalistas em relação aos riscos para a biodiversidade. Entretanto, o governo do Ceará defende que haja um veto explícito a novas construções.

“A minha maior preocupação é que o edital garanta a preservação do meio ambiente, com a determinação clara da necessidade da autorização prévia para construções no parque. O documento precisa ainda trazer mecanismos que protejam as pessoas que dependem da cadeia produtiva do turismo em Jericoacoara”, afirmou o governador Elmano de Freitas (PT), por meio de nota.

O governo cearense defende uma gestão compartilhada dentro da concessão, com participação da administração estadual, do governo federal e dos municípios que estão no território do parque. No BNDES, a expectativa é que a União e o estado do Ceará cheguem a um acordo para não inviabilizar a concessão.

Para o professor Davis de Paula, do curso de geografia da Uece (Universidade Estadual do Ceará), o principal desafio de Jericoacoara atualmente é manter a convivência e o uso de uma área de conservação sem exaurir as belezas do lugar nem degradar o ambiente.

“Na maior parte do tempo, os visitantes desconhecem a convivência sustentável com o meio. O grande desafio de qualquer concessão é trazer a percepção de possível impacto humano na paisagem para os visitantes”, diz o geógrafo, que avalia que Jericoacoara está a caminho da saturação no formato atual de turismo e gestão.

“Hoje, o parque sofre com impactos visuais e físicos e que estão na esfera biológica, decorrentes do turismo crescente. Há um crescimento desordenado, por exemplo, com construções que adentram a poligonal [o território] da unidade de conservação, o que não deveria acontecer”, afirma.

O Parque Nacional de Jericoacoara é um dos principais pontos turísticos do país. De janeiro a julho, foram recebidos mais de 600 mil turistas, um aumento de 12% em comparação ao mesmo período de 2022.

Um dos ajustes defendidos pelo governo do Ceará é a inclusão de maiores benefícios para a própria população do estado, que depende economicamente do turismo em Jericoacoara.

“Cerca de 35% dos visitantes do parque são cearenses, o que reforça a necessidade de uma proposta que contemple também esse público”, diz Yvana Albuquerque, secretária de Turismo do Ceará.

A recomendação é também que a concessionária priorize empresas da região ao definir os prestadores de serviço de alimentação e de transporte, por exemplo. A empresa vencedora não poderá implementar serviços de transporte interno no modal rodoviário que concorram com os prestados pelos operadores do parque autorizados pelo ICMBio.

Também procurado pela reportagem, o ICMBio não disponibilizou representante para comentar o edital.

JOSÉ MATHEUS SANTOS / Folhapress

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