BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O anteprojeto do Congresso Nacional que promete dar mais transparência ao rito das emendas parlamentares tem uma brecha que permite, na prática, que os autores das indicações das verbas permaneçam escondidos.
A possibilidade está justamente nas emendas de comissão, um dos principais alvos de crítica do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Flávio Dino, pela falta de clareza na alocação dos recursos.
O anteprojeto, que pode ser votado pelo Congresso Nacional nesta quinta-feira (13), é fruto do acordo com o Supremo para dar mais transparência às emendas. Ele foi firmado após uma série de embates com Dino, que relata ações sobre o tema e chegou a criticar a “balbúrdia” no Orçamento da União criada por esses procedimentos.
A proposta ainda não foi protocolada formalmente, mas segundo a minuta à qual a reportagem teve acesso, ela permite que os parlamentares façam indicações por meio de suas bancadas partidárias, constando apenas a assinatura do líder da sigla, sem identificação do autor original.
Além disso, em outro dispositivo, é criada uma Secretaria Especial do Orçamento, que deve assessorar os parlamentares sobre este tema. O texto não deixa claro como será composto esse novo órgão nem a quem ele estará subordinado.
Na prática, ele deve esvaziar a atual consultoria especializada no assunto, que teria essa atribuição e recentemente fez pareceres técnicos críticos ao uso das emendas, como mostrou o UOL.
Segundo técnicos disseram à reportagem sob condição de anonimato, o receio é que os integrantes da nova secretaria sejam indicados pela presidência das Casas ou por parlamentares sem critérios técnicos, o que reduziria sua independência e análise crítica.
A reportagem procurou o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB) para ouvi-los sobre o anteprojeto, mas não houve resposta até a publicação deste texto.
O deputado Danilo Forte (União Brasil-CE) disse que a criação da secretaria especial pode dar poderes desproporcionais à presidência do Senado frente a da Câmara, caso fique sob o primeiro guarda-chuva, e não descartou pedir a retirada da proposta de pauta, caso ela se mantenha desta forma.
“Falei com outros líderes, todos foram pegos de surpresa, ficaram chocados. Ainda mais porque a sessão do Congresso vai ser remota e não teve debate [sobre essa medida]”, afirmou.
As iniciativas de Dino sobre as emendas parlamentares tiveram seu ponto alto no final do ano passado, quando o ministro fez exigências de transparência para a aplicação dos recursos, suspendeu pagamentos e acionou a Polícia Federal para investigar possíveis irregularidades.
As medidas abriram uma crise com o Congresso, em especial com o então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
As emendas de comissão foram turbinadas por Lira após a derrubada, pelo próprio STF, das verbas de relator, que não tinham mecanismos de transparência.
Os parlamentares, então, passaram a usar os recursos das comissões temáticas do Congresso para direcionar dinheiro a seus redutos eleitorais, sem a identificação de seus padrinhos.
Dino então exigiu mais transparência e que as indicações fossem votadas pelos colegiados. Ele criticou o mecanismo por transformar emendas de comissão em “emendas de líderes partidários”, já que estes eram os únicos nomes que apareciam nos registros oficiais.
Lira manobrou e driblou a determinação para que não houvesse votação e para que as indicações fossem assinadas em conjunto pelos líderes da Câmara, mais uma vez escondendo os autores originais.
O projeto de resolução atual, que deveria adequar os ritos das emendas para dar mais transparência, mantém vivo o mecanismo de indicação pelo líder partidário.
Em um primeiro momento, a proposta exige a identificação, em cada emenda, dos parlamentares que compõem as comissões temáticas.
Mais adiante, no entanto, permite que sejam feitas indicações às comissões por meio das bancadas de cada sigla, exigindo apenas a assinatura “pelos líderes partidários”, acompanhadas de um formulário.
No formulário, que consta em um anexo, são exigidas informações como município e CNPJ do favorecido, valor, beneficiário final, código da emenda e código da ação orçamentária à qual ela representa. Não se exige, portanto, que o parlamentar autor da indicação seja registrado no documento.
Nas decisões e nos acordos firmados até aqui na disputa entre Dino e o Congresso, não constava o conceito de uma ata partidária para as indicações, mas sim a exigência de que fosse dada transparência ao autor da emenda.
“Causa espanto o esforço do Congresso Nacional em criar mecanismos cada vez mais criativos -agora com as emendas de bancadas partidárias- para impedir que a sociedade e, principalmente, os órgãos de controle saibam exatamente quem está destinando dinheiro para onde”, diz Guilherme France, gerente de pesquisa e advocacy da Transparência Internacional.
Sobre o esvaziamento da consultoria técnica do Orçamento, ele lembra que o grupo foi criado, no Senado, após escândalos de corrupção na década de 1990. Na Câmara, existe desde a década de 1970.
“A Consultoria do Orçamento, criada há 30 anos, representou um importante avanço, garantindo produção de informação independente e confiável sobre o processo orçamentário. Colocar isso em risco significa fragilizar um pilar importante de institucionalidade no Congresso”, completou.
JOÃO GABRIEL / Folhapress