BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) – Sob a região centro-sul de Belo Horizonte, uma das áreas mais valorizadas da capital mineira, está soterrado um território que antes da construção da cidade abrigou uma capela da Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos.
Construída em 1819, a igreja ficava no Largo do Rosário, formado também por uma comunidade e um cemitério, este feito em 1811. Os dois foram construídos pela Irmandade do Rosário dos Homens Pretos em Curral del-Rey nome da vila que viria a se tornar Belo Horizonte a partir de 1897.
A Comissão Construtora da nova capital mineira, liderada pelo engenheiro Aarão Reis, chegou ao território de Curral del-Rey em 1894 e já encontrou a capela e o cemitério consolidados, afirma o padre Mauro Luiz da Silva, responsável pelo projeto NegriCidade, que busca resgatar a história do Largo do Rosário.
“Documentos da época demonstram o desejo e a ação da Comissão Construtora de destruir esses lugares. É como se a cidade tivesse sido inaugurada no dia 12 de dezembro de 1897, em cima de nada”, diz o padre.
Ela afirma que a região na qual Belo Horizonte foi planejada, cercada pela atual avenida do Contorno hoje a cidade está espalhada para muito além disso, tem menos de 5% de sua população autodeclarada preta, segundo o Censo de 2010.
Em toda a cidade, essa fatia é de cerca de 14%, de acordo com o levantamento mais recente, de 2022.
“As políticas na época [da construção da cidade] eram higienistas mesmo. Minha conclusão [da tese de doutorado, apresentada em 2021] é que foram ações racistas que construíram uma cidade que não foi feita para a população negra”, diz Mauro, que é doutor em ciências sociais pela PUC Minas.
O que também motivou o padre a investigar a história do Largo do Rosário foi o desconhecimento dele e de seus pais, que moravam na região, sobre esse episódio do território que hoje faz parte da capital mineira.
“Eu sou padre, mas essa não é uma questão religiosa, é de apagamento da memória da cidade. Os museus não contam essas histórias”, afirma Mauro.
A capela do Rosário possivelmente ficava onde hoje há um estacionamento na rua da Bahia, no bairro de Lourdes, explica o arqueólogo Fernando Costa.
Assim como o padre Mauro, ele é um belo-horizontino que cresceu sem ouvir falar do Largo do Rosário.
“As imagens e pinturas que temos da época foram feitas pela Comissão Construtora. Há um paradoxo de que foram os responsáveis pela destruição [do Largo do Rosário] que nos deixaram as documentações mais completas da época”, disse o arqueólogo.
Coube a Costa descobrir a localização provável da capela do Rosário para que a história pudesse ser contada.
Ele afirma que partiu da sobreposição dos mapas de Curral del-Rey e de Belo Horizonte feita pelo historiador Abílio Barreto, que mostrava a capela do Rosário no cruzamento das atuais ruas da Bahia e dos Timbiras.
Costa também se valeu de uma pesquisa do arquiteto Thiago Fialho, na Faculdade de Arquitetura da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), que levantou cadernetas feitas pela Comissão Construtora com detalhes de topografia e de descrição do meio físico.
Foi a partir delas que identificou o que poderia ser a localização exata da capela do Rosário, onde hoje é o estacionamento. Com o uso de um Georadar, equipamento usado para investigar estruturas sob o solo, Costa diz ter encontrado em fevereiro deste ano o que chamou de “anomalia”, um sinal emitido que está associado a um material de demolição.
O arqueólogo afirma, porém, que não é possível cravar que a capela esteja naquele local porque outras duas construções já existiram onde hoje é o estacionamento. Para definir se o material que há ali é relacionado à capela, é necessária a escavação.
Além da aprovação do dono do local para a escavação, eles precisam de recursos. Costa diz que apresentou projetos a órgãos públicos, como o Ministério Público, para angariar o dinheiro necessário.
A ideia do padre, no futuro, é fazer um memorial no local onde estaria a capela.
“A reconstituição é fundamental para que a gente possa contar uma história que a população negra e indígena se sinta representada”, afirma.
Em 2022, o território do Largo do Rosário foi registrado como Patrimônio Cultural Imaterial de Belo Horizonte. A prefeitura diz que vem realizando deste então “uma série de ações educativas e de salvaguarda para a promoção do resgate histórico desse bem cultural simbólico “.
Ela cita a construção de um totem de sinalização nas esquinas das ruas Timbiras e Bahia e a criação em novembro do ano passado de um Comitê de Salvaguarda do Largo do Rosário para o fortalecimento do território junto aos belo-horizontinos, visitantes e turistas.
ARTUR BÚRIGO / Folhapress