RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O Ministério Público do Rio de Janeiro defendeu sua atuação no processo que gerou a condenação e prisão do porteiro Paulo Alberto da Silva Costa, 36, anulada por determinação do STJ (Superior Tribunal de Justiça).
Em nota, a Promotoria afirma que o acusado “não apresentou qualquer justificativa plausível para contra-argumentar” o reconhecimento feito pela vítima em três oportunidades. A defesa do porteiro considera o posicionamento uma “inversão do ônus da prova”, também criticado por ministros durante o julgamento no STJ.
Paulo ficou preso por três anos por 62 acusações baseadas inicialmente, segundo sua defesa, em reconhecimentos fotográficos. A prática é considerada irregular pela Justiça.
No mês passado, o STJ decidiu revogar 12 prisões preventivas e suspender a execução de quatro sentenças contra Paulo ao analisar um recurso contra uma condenação por roubo supostamente cometido em julho de 2019, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense.
O Ministério Público afirma que, neste caso, o porteiro foi reconhecido em três oportunidades pela vítima. A primeira na delegacia, por meio do “álbum de suspeitos”, 16 dias após o fato; a segunda, na própria delegacia por meio de reconhecimento pessoal; e a terceira, em juízo.
“A Promotoria ressalta que o réu apresentou sua versão dos fatos, negando a prática do crime. Contudo, não apresentou qualquer justificativa plausível para contra-argumentar as provas colacionadas nos autos, eis que se limitou a dizer que não se recordava do local em que estava no dia dos fatos e que nunca roubou ninguém. A defesa, por sua vez, não trouxe aos autos qualquer prova idônea no sentido de ilidir a veracidade dos fatos narrados na denúncia”, afirmou o MP-RJ, em nota.
O uso do reconhecimento por parte da vítima foi alvo de crítica durante o julgamento do caso de Paulo no STJ. A corte tem precedentes que impedem a identificação pela vítima como única prova para condenação.
“Não significa que a afirmação do ofendido que identifica agente do crime é prova cabal. Do contrário, a função dos órgãos de estado seria relegado a segundo plano, a mero homologador da acusação”, afirmou a relatora do processo, ministra Laurita Vaz.
Ao longo da sessão, os ministros argumentaram que o reconhecimento fotográfico inicial acaba viciando as demais identificações feitas pelas vítimas em atos posteriores.
“Todas as condenações vieram de um único reconhecimento, ainda que confirmado em juízo, com todos os vieses que bem sabemos interferem nesse ato de confirmação de uma impressão inicial consubstanciada num reconhecimento fotográfico”, disse o ministro Rogério Schietti.
Para a defesa, trata-se de “inversão do ônus da prova” por parte do Ministério Público.
“[O argumento] revela evidente violação ao princípio da presunção de inocência, tendo em vista que o afastamento do status de inocência do acusado depende de prova robusta da procedência dos fatos e não da inexistência de provas do negativo”, afirma relatório do IDDD (Instituto de Defesa do Direito de Defesa), que atuou em favor de Paulo.
A Polícia Civil, em nota, afirmou que “instaurou sindicância para apurar falhas em procedimentos que resultaram na prisão” de Paulo. A medida atende determinação do STJ no mesmo julgamento.
“Desde 2020, a Polícia Civil orienta aos delegados o não uso, de forma exclusiva, do reconhecimento indireto por fotografia como única prova em inquéritos policiais para pedir a prisão de suspeitos. A instituição informa que o método, que é aceito por lei, é um instrumento importante para o início de uma investigação, mas deve ser corroborado por outras provas técnicas e testemunhais, como a formalização de um reconhecimento presencial do suspeito”, diz a nota.
O porteiro trabalhava no condomínio em que vivia em Belford Roxo e complementava a renda com um lava jato no local. Em março de 2020, foi preso quando já havia sido reconhecido por foto em 62 ocorrências e acumulava 40 de mandados de prisão contra si.
De acordo com o relatório do IDDD sobre o caso, Paulo não foi ouvido em nenhum dos inquéritos que motivaram sua prisão. A apuração não apontava qualquer outra prova de envolvimento dele além do reconhecimento fotográfico feito pelas vítimas.
A entidade aponta ainda uma série de contradições nas acusações de que o porteiro foi alvo, entre elas os diferentes apelidos atribuídos ao acusado.
“A confusão entre as alcunhas feita pelas autoridades policiais, apesar da existência de indícios que apontavam que estas alcunhas pertencem a pessoas diferentes, denota mais uma das falhas das investigações”, afirma o relatório.
O documento aponta ainda acusação por crimes ocorridos no mesmo horário em locais distantes até 4 quilômetros um do outro.
“Não houve investigação de autoria em nenhum dos inquéritos, nem mesmo a intimação de Paulo para ser devidamente ouvido pela autoridade policial, oportunidade em que apresentaria a sua versão dos fatos. Pelo contrário, identificou-se padrão que realça a completa negligência das autoridades policiais nas investigações preliminares. O Ministério Público, por outro lado, em caso algum requisitou novas diligências, no sentido de se obter apuração mais minuciosa”, acrescenta o IDDD.
Uma foto de Paulo obtida em redes sociais foi incluída num “álbum de suspeitos” da 54ª Delegacia de Polícia, em Belford Roxo. A investigação do IDDD não conseguiu identificar como a imagem foi parar lá. Uma das suspeitas é o fato de o condomínio em que o porteiro trabalhava e morava ter sido invadido por uma facção criminosa.
“A impressão que se tem é que todos os roubos não apurados pela polícia de Belford Roxo foram atribuídos a este indivíduo. Estamos diante de um caso que me envergonha de integrar um sistema de Justiça de moer gente. Uma roda viva de crueldades”, afirmou Schietti, do STJ.
ITALO NOGUEIRA / Folhapress