WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – O aquecido mercado de trabalho americano derrubou a lacuna entre a proporção de brancos e de negros empregados nos Estados Unidos mas as diferenças permanecem notáveis em termos de salários e benefícios no trabalho e tempo para encontrar outro trabalho.
A série histórica do Fed, o banco central americano, tem dados de empregabilidade de pessoas negras desde 1972 e mostra que a porcentagem de pessoas brancas no mercado de trabalho sempre foi maior que a de afrodescendentes nos EUA.
As maiores discrepâncias remontam ao começo dos anos 1980, período de recessão na economia do país, chegando a quase 10 pontos. Em 1982, por exemplo, enquanto 59,3% dos brancos estavam empregados, a proporção caía para 49,5% entre pessoas negras. Na crise de 2008, a diferença também passou de oito pontos.
Mas, em meio aos níveis recordes de emprego no país, essa discrepância despencou desde 2022. Em março deste ano, chegou a haver mais negros empregados proporcionalmente (60,9%) que brancos (60,2%) nos meses seguintes o índice voltou a crescer entre brancos, mas a diferença ainda se mantém em níveis mínimos e hoje está em 1,5 ponto.
Esse movimento ocorreu enquanto o nível de desemprego nos EUA está em níveis mínimos em mais de cinco décadas, atingindo 3,6% da população.
“Um mercado de trabalho aquecido tende a comprimir essa diferença entre negros e brancos, como já ocorreu no passado. O contrário também acontece: quando há uma recessão, as condições pioram”, diz Hoyt Bleakley, especialista em economia do trabalho e professor da Universidade de Michigan.
Com parcela dos economistas esperando uma recessão na economia americana ainda para este ano, essa melhora no mercado ficaria ameaçada. É o que especialistas nos EUA chamam de “últimos a serem contratados, primeiros a serem demitidos”.
A discrepância permanece grande quando se olha a empregabilidade de mulheres, no entanto, segundo dados do Escritório de Estatísticas de Trabalho dos EUA. A taxa de desemprego entre mulheres brancas com 20 anos ou mais foi de 2,9% em junho. Entre mulheres negras, quase o dobro: 5,7%.
Além disso, negros ficam mais tempo desempregados que brancos. Enquanto brancos ficam em média 21,4 semanas desempregados, negros ficam 25,6 semanas, de acordo com a última Pesquisa Atual da População, feita pelo Censo por amostragem.
Por mais que a oferta de emprego tenha aumentado, isso não significa que a qualidade dos empregos é a mesma, e ainda há forte discrepância salarial nos EUA. Segundo a mesma pesquisa, brancos com 16 anos ou mais ganham em média US$ 1.126 (R$ 5.322) por semana. Já pessoas negras na mesma faixa etária ganham em média US$ 913 (R$ 4.316), 19% a menos.
Entre mulheres negras a diferença é ainda maior: elas ganham em média US$ 877 (R$ 4.146) por semana.
A discrepância salarial pode ser explicada por outros fatores, como por exemplo o nível educacional 41,9% dos brancos têm ensino superior, e 28,1% dos negros, segundo o Censo, e uma das maneiras de evitar a desigualdade de renda é investir em educação, defende Bleakley.
Essa disparidade de salários provoca efeitos a longo prazo, aponta pesquisa do Censo com dados de 2019. A mediana do bens de famílias formadas por pessoas brancas (como carros, imóveis etc.) naquele ano foi de US$ 187,3 mil (R$ 885,4 mil). Entre famílias de pessoas negras, a mediana do patrimônio cai para US$ 14,1 mil (R$ 66,6 mil), muito abaixo das famílias latinas, por exemplo, de US$ 31,7 mil (R$ 150 mil).
A diferença na qualidade dos empregos também é vista nos benefícios ofertados aos funcionários. Pesquisa do Censo de 2021 apontou que 73,2% das pessoas identificadas como brancas têm algum seguro saúde do trabalho, taxa que cai a 55,1% entre pessoas negras.
Trisha Johnson, 25, graduou-se há dois anos em “artes liberais” com foco em humanidades, espécie de formação que lhe dá um conhecimento amplo em história, filosofia, literatura. Ela buscou vagas em escolas infantis, por ter um “sonho de trabalhar com crianças”, diz.
Deu aulas de artes por alguns meses, mas não conseguiu um emprego fixo. Para pagar as contas, arrumou um emprego em uma loja de um centro cultural em Washington, ganhando próximo do salário mínimo, hoje em US$ 17 a hora na cidade.
“Não sei se foi por eu ser negra, mas certamente está difícil arrumar um trabalho que me permita morar sozinha, casar ou ter filhos”, afirma. Agora, pretende juntar dinheiro para fazer um mestrado na área de políticas públicas para tentar conseguir um emprego melhor na capital do país.
THIAGO AMÂNCIO / Folhapress