Proporção de quilombolas analfabetos é mais que o dobro do que da população em geral, mostra Censo

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A taxa de analfabetismo dos quilombolas é 2,7 vezes superior à da população total do Brasil, indicou nesta sexta-feira (19) o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) ao divulgar novos dados do Censo Demográfico 2022.

Do contingente de 1 milhão de quilombolas de 15 anos ou mais, 192,7 mil não sabiam ler nem escrever um bilhete simples. Assim, o percentual de analfabetos foi calculado em 18,99% -aproximadamente 1 em cada 5.

A taxa é mais que o dobro do patamar de 7% verificado na população total da mesma faixa etária. Em termos gerais, o Brasil somava 11,4 milhões de analfabetos em 2022, em um total de 163 milhões de habitantes de 15 anos ou mais, conforme dados do Censo que já haviam sido publicados pelo IBGE em maio.

Já a taxa de alfabetização, que mede o percentual de moradores que sabem ler e escrever pelo menos um bilhete simples, foi de 81,01% entre os quilombolas. Trata-se de um resultado 12 pontos percentuais abaixo do registrado pela população total de 15 anos ou mais (93%).

“A gente vê uma distância entre a população quilombola e a população residente no país em relação às oportunidades educacionais das últimas décadas, em relação aos investimentos de acesso à educação”, afirmou a pesquisadora Marta Antunes, responsável pelo projeto técnico de Povos e Comunidades Tradicionais do IBGE.

MAIS DA METADE DOS QUILOMBOLAS DE 65 ANOS NÃO SABE LER NEM ESCREVER

De acordo com o Censo, o analfabetismo é mais alto entre os quilombolas nas diferentes faixas etárias. A desigualdade ante o total de brasileiros fica ainda mais intensa nos grupos mais velhos.

Considerando a parcela de 65 anos ou mais, o instituto indicou que mais da metade dos quilombolas (53,93%) não sabiam ler nem escrever em 2022. O percentual foi de 20,25% na população total da mesma faixa etária, o equivalente a 1 em cada 5 habitantes.

Quando a análise considera idosos de 60 anos ou mais, a taxa de analfabetismo fica em 49,2% entre os quilombolas e em 17,8% no geral.

O IBGE já apontou que o problema costuma afetar mais as pessoas mais velhas devido a atrasos em investimentos na área de ensino.

Em outras palavras, os idosos de hoje encontraram mais dificuldades de acesso à educação no passado, na comparação com os jovens de hoje, o que se traduz nos dados.

Entre as pessoas de 15 a 17 anos, a taxa de analfabetismo em 2022 foi de 3,18% para o grupo quilombola e de 1,59% para a população total.

No recorte das pessoas quilombolas por sexo, o percentual que não sabe ler e escrever foi maior entre os homens (20,89%) do que entre as mulheres (17,11%). Na população total, a taxa de analfabetismo masculina (7,51%) também superou a feminina (6,52%).

GRUPO CONVIVE COM PRECARIEDADES DE SANEAMENTO BÁSICO

Além de apresentar dados sobre alfabetização, a divulgação desta sexta ainda aponta características dos domicílios quilombolas.

São avaliadas, por exemplo, condições de acesso a serviços de água, esgoto e coleta de lixo. Esses resultados, a exemplo dos indicadores de alfabetização, também sinalizam desigualdades.

O IBGE contabilizou ao menos uma forma de precariedade de saneamento básico em 357,1 mil domicílios particulares permanentes onde vivem 1 milhão de quilombolas, ou 78,93% desse grupo.

Considerando a população total, o percentual de moradores afetados baixa a 27,28% -ou seja, 51,65 pontos percentuais a menos.

Quando o recorte contempla somente os territórios quilombolas oficialmente delimitados, uma parcela reduzida desse grupo, a porcentagem de habitantes impactados é de 90,02% (150,8 mil).

As principais precariedades avaliadas envolvem a ausência de água encanada dentro do lar, a falta de rede geral de esgoto, fossa séptica ou fossa filtro e a inexistência de coleta de lixo.

O IBGE diz que 29,58% dos moradores quilombolas em territórios delimitados conviviam, simultaneamente, com os três principais problemas. Esse percentual foi de 21,89% no total da população quilombola e de 3% na população geral residente no país.

17% DOS QUILOMBOLAS MORAM EM LARES SEM BANHEIRO EXCLUSIVO

Segundo o Censo, a proporção de quilombolas em domicílios com banheiro de uso exclusivo foi de 82,85%. Trata-se de um patamar inferior ao de 97,75% da população geral.

No caso dos quilombolas, a parcela de moradores em domicílios sem banheiro exclusivo foi de 17,15%.

Esse percentual soma os seguintes perfis de habitantes: que dependiam de banheiro de uso comum a mais de um domicílio (3,35%), que tinham apenas sanitário ou buraco para dejeções (9,75%) e que não possuíam banheiro nem sanitário (4,05%).

Outro indicador que mostra desigualdade é o de acesso da população aos serviços de esgoto. Entre os quilombolas, somente 29,46% viviam em domicílios com alternativas consideradas mais adequadas, o que engloba as opções de rede geral ou pluvial, fossa séptica e fossa filtro. Na população geral, o mesmo indicador foi de 75,7%.

“A gente vê uma desigualdade bastante gritante, que dialoga também com ausência de banheiro de uso exclusivo e outras situações”, disse Marta Antunes, do IBGE.

Entre os quilombolas, a maior parte dos habitantes vivia em lares que recorriam a fossas rudimentares ou buracos como destino do esgoto: 57,67%. Na população como um todo, essa proporção foi menor, de 19,44%.

O uso de fossas rudimentares ou buracos é um dos mais precários em investigação na pesquisa, que leva em consideração critérios do Plansab (Plano Nacional de Saneamento Básico).

Na população como um todo, a principal estrutura de esgoto foi a rede geral ou pluvial, com uma proporção de 58,28%, bem acima da verificada entre os quilombolas (12,55%).

“O dado demonstra que a rede geral tem alcançado mais a população como um todo. No caso da população quilombola, isso ainda não aconteceu”, afirmou Fernando Damasco, gerente de Territórios Tradicionais e Áreas Protegidas do IBGE.

“Há uma dependência muito grande [dos quilombolas] de fossas rudimentares, que são consideradas formas mais precárias de destinação de esgoto.”

DIFICULDADES EM ÁGUA E LIXO

No caso do abastecimento de água, a pesquisa considera como situação mais adequada o uso principal de rede geral de distribuição, poço, fonte, nascente ou mina e de canalização até dentro do domicílio.

Entre os quilombolas, 69,63% conviviam com esse quadro, percentual inferior ao da população como um todo (93,95%).

A disparidade também aparece nos indicadores de destino do lixo. Conforme o IBGE, 90,9% da população do país conta com coleta domiciliar dos resíduos ou depósito em caçambas de serviços de limpeza.

Entre os moradores quilombolas, apenas 51,3% têm essa opção em seus domicílios permanentes -uma diferença de quase 40 pontos percentuais.

O Censo 2022 é o primeiro a identificar os quilombolas e suas características. Nas edições anteriores, o grupo era contabilizado somente no resultado geral. O país tem um total de 1,3 milhão de quilombolas, segundo o recenseamento.

Os quilombos surgiram como resposta à violência praticada contra negros trazidos à força da África e escravizados no Brasil. Os primeiros registros desse tipo de formação datam da década de 1570.

EVENTO DE APRESENTAÇÃO TEM CRÍTICA

O evento de divulgação dos novos dados do Censo ocorreu nesta sexta no bairro Liberdade, em São Luís (MA). Após a apresentação dos técnicos do IBGE, um dos presentes na plateia pediu acesso ao microfone para fazer uma crítica ao modo da apresentação, conduzida pelo que chamou de “mesa hegemonicamente branca”.

Ele elogiou a produção das estatísticas sobre os quilombolas, mas argumentou que representantes da comunidade local também deveriam ter participado da abertura do evento. A fala recebeu aplausos.

O homem se identificou como Silvio Bembem, pesquisador, professor e servidor público federal. Ele também fez menção a políticos.

Na sequência, o coordenador-geral do CDDI (Centro de Documentação e Disseminação de Informações) do IBGE, Daniel Castro, lembrou que a instituição tem reunido comunidades indígenas e quilombolas para apresentar dados do Censo.

Ainda disse que, por conta do período de defeso eleitoral, a divulgação precisa se restringir a aspectos técnicos a fim de evitar punições. O IBGE é um órgão “aberto e técnico”, segundo Castro.

LEONARDO VIECELI / Folhapress

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