SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Na semana em que os cinemas de São Paulo oferecem ingressos promocionais a R$ 12 para qualquer filme, salas de “Som da Liberdade” são ocupadas em sua maioria por entradas distribuídas de graça.
O filme americano, lançado no país na semana passada, é um drama sobre exploração sexual de crianças. Ele se tornou alvo de mobilização de grupos que se autodefinem como conservadores, ligados aos bolsonarismo, para torná-lo líder de bilheteria no Brasil. O esforço repete o feito nos Estados Unidos, onde a produção estreou em julho.
A divulgação massiva por esses grupos e a distribuição gratuita de ingressos contribuíram para que a produção fosse a mais vista em sua primeira semana de exibição, com 240 mil de espectadores, segundo dados da Comscore. Na quinta (28), quando a promoção da Semana do Cinema iniciou, o filme voltou a liderar as bilheterias do país.
No site da Angel Studios, produtora do longa, há a opção de colaborar comprando ingressos para serem fornecidos gratuitamente para outras pessoas. Os valores partem de R$ 22, para um espectador, a R$ 330 mil, que responderia por 15 mil espectadores. O site foi traduzido para o português, mas não deixa informações claras sobre como resgatar o bilhete.
A Lumine TV, plataforma voltada ao público católico, e a produtora conservadora Brasil Paralelo, ambas parceiras da Angel na divulgação do filme, também disponibilizam entradas gratuitas.
O cinema do shopping Eldorado, na zona oeste da capital paulista, estava agitado na tarde de sábado (30). Metade do público de “Som da Liberdade” com quem a reportagem conversou retirou ingresso para ver o filme de graça. Já a outra parcela nunca tinha ouvido falar sobre a campanha de entradas grátis e aproveitou a promoção para pagar menos.
Os funcionários do cinema também desconheciam a distribuição de bilhetes.
A sessão das 15h no endereço ficou cheia. Dos 271 assentos na sala, 70 estavam disponíveis cinco minutos após o início da exibição. No local, o público era formado sobretudo por homens e mulheres mais velhos, famílias e casais.
A analista de fraude Adriana Souza ficou sabendo sobre o filme por meio de um pastor nas redes sociais, que incentivava os seguidores a vê-lo nos cinemas, e conseguiu uma entrada grátis por um link compartilhado por uma influenciadora que segue no Instagram.
“Sou cristã e sou mãe, é bom entender como funcionam essas coisas, que a gente só ouve falar. Vai que acontece com a gente”, ela disse.
As redes sociais foram o principal canal pelo qual os espectadores ouviram falar do longa e da distribuição gratuita de ingressos.
No SP Market, shopping na zona sul, o sucesso do filme poderia passar despercebido no saguão do Cinemark. O único indício das exibições de “Som da Liberdade” no estabelecimento era o cartaz em frente à sala, mesmo com as três últimas sessões do dia esgotadas.
As filas nas bilheterias explicavam o porquê dessa decisão. Os cartazes de “A Freira 2” e “Jogos Mortais 10” se repetiam nos totens para compra de ingressos. As exibições de “Mercenários 4”, “Nosso Sonho” e “Besouro Azul” também já anunciavam os últimos lugares disponíveis.
Mas “Som da Liberdade” teve um público expressivo no sábado, e não só por causa do valor promocional. O público entrevistado pela reportagem também se dividia entre aqueles que pagaram os R$ 12 e os que entraram de graça.
Na penúltima sessão do filme no dia, apenas 19 lugares apareciam vagos. Nela e na exibição anterior, o público que compareceu era diverso: pessoas da terceira idade, casais adolescentes e uma família com um bebê se acumulavam nos assentos. Os espectadores solitários eram raros.
Os motivos para assistir a “Som da Liberdade” eram vários. Fernanda, que preferiu não dar seu nome completo, aguardava a sessão depois de ficar sabendo do filme pelo Instagram. Ela viu um vídeo afirmando que a produção corria o risco de ser censurada no Brasil. A informação, falsa, era acompanhada do site da Angel, onde ela obteve o tíquete.
Mas foi difícil conseguí-lo e ela precisou chamar o gerente do cinema para que o código fornecido fosse trocado pelo bilhete. Os dois códigos da Angel tentados usar pela reportagem também deram problema. Aparecia a mensagem de que eram inválidos na hora de tentar comprar uma entrada pelo site da Ingresso.com e pelo aplicativo da Cinemark.
Além da grande procura, o público assistiu ao longa atento. Durante a sessão, as reações foram poucas e contidas. A plateia aplaudiu durante os créditos, ao ouvir uma mensagem do ator principal, Jim Caviezel. Nela, o americano pede por doações para combater o tráfico e –em suas palavras– espalhar a palavra da produção.
Nesse momento, junto dos aplausos, uma quantidade considerável de aparelhos celulares se levantaram na plateia para escanear o código QR exibido na tela. O código, por sua vez, redirecionava o público ao site da Angel, onde poderiam pagar pelo ingresso de outra pessoa.
NATHALIA DURVAL E PEDRO STRAZZA / Folhapress