SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – É por uma via cheia de terra vermelha que aqueles que acessam o Parque Bruno Covas pela antiga Usina Elevatória da Traição precisam passar para correr às margens do rio Pinheiros, na zona oeste de São Paulo.
O local está em processo de revitalização e deve virar um centro de lazer com restaurantes, cafés e mirante, mas esse cenário ainda está distante.
Rebatizado de Usina São Paulo, o espaço passou à iniciativa privada em 2020, quando foi assinado um contrato de concessão de R$ 280 milhões com um consórcio privado.
“A concessão da Usina São Paulo é mais um passo no programa de despoluição do rio Pinheiros”, disse o então governador João Doria (sem partido), quando anunciou a assinatura do contrato. “Reafirmo aqui que o rio Pinheiros será entregue limpo e despoluído até dezembro de 2022. Neste mesmo período, nós já estaremos inaugurando a Usina São Paulo.”
Até agora, no entanto, as obras estão só começando. A fachada do prédio, coberta por uma tela protetiva, segue aparentemente inalterada, enquanto nos fundos circulam máquinas e operários. Ali, um trecho da Marginal Pinheiros será retificado para melhorar o acesso e dar vazão ao trânsito.
Essa é a primeira etapa da revitalização, que inclui a reforma da fachada e da cobertura (que deve ser transformada em um terraço com atrações ao público), a mudança no acesso viário e a construção de escadas e elevadores para o acesso ao topo.
Na segunda etapa, devem ser feitas passarelas para ligar ambas as margens ao prédio e desenvolver empreendimentos comerciais nos dois lados do rio: um shopping a céu aberto e um prédio corporativo.
O projeto foi anunciado por Doria no início de sua gestão como governador, em 2019. O então tucano disse na época que o espaço seria o “Puerto Madero paulistano”, em referência à área de mesmo nome em Buenos Aires.
Apesar das promessas que tudo estaria pronto até o fim do ano passado, a expectativa atual dos responsáveis pela operação é que a primeira fase seja concluída no final de 2024 e a segunda, até o fim de 2026.
Presidente da Usina São Paulo, o empresário Thiago Nagib afirma que em o alvará para a reforma só foi emitido no fim do ano passado, o que causou o atraso. “Esse alvará só foi publicado 22 de dezembro de 22 e aí foi quando tivemos autorização formal para começar”, explica. A partir desta data, diz ele, o prazo é de 48 meses para a finalização.
Procurado, o ex-governador não quis comentar o assunto.
A reforma deve manter a função atual da usina –de reverter o fluxo do Pinheiros para desafogar o rio Tietê. A isso, serão adicionados os serviços de lazer.
A Usina São Paulo é uma espécie de continuação dos esforços do mais recente projeto de limpeza do novo rio Pinheiros, encerrado no final do ano passado. Para Nagib, o empreendimento só pode existir por causa da despoluição.
“O rio Pinheiros era um esgoto a céu aberto, na falta de um termo melhor. É só a partir do projeto do Novo Rio Pinheiros que, quando chega em 2021, o rio começa a ter novamente uma cara de rio com aspecto de água mais fluida, mais translúcida e menos mal cheirosa”, afirma.
Nas proximidades da usina ainda é possível sentir um odor vindo do rio, mesmo que muito mais leve do que antes. Também é possível ver aves, como garças e carcarás.
Ali, algumas saídas de córregos contam com boias que impedem que recicláveis caiam no Pinheiros.
A medida faz parte do esforço de manutenção da limpeza do rio, que inclui, desde 2019, a conexão de mais de 650 mil imóveis à rede de esgoto. Com isso, as estimativas da Sabesp, responsável pelas obras, são de que 2 milhões de pessoas passaram a ter acesso a saneamento e mais de 3.000 litros de esgoto por segundo deixaram de ser despejados no Pinheiros. O projeto foi encerrado em dezembro.
Segundo Marco Antonio Barros, superintendente de engenharia da Sabesp, isso permitiu que a água possa abrigar peixes. No entanto, ele diz que a companhia não sabe dizer quanto esgoto ainda cai no rio devido a ligações irregulares.
Um levantamento da SOS Mata Atlântica divulgado em março apontou que o rio Pinheiros é o mais poluído entre 120 corpos d’água da mata atlântica. Entre 160 locais monitorados por voluntários, a qualidade da água foi considerada regular em 75% dos casos, ruim em 16,2% e péssima em 1,9% pontos –os três locais que se enquadram na pior categoria ficam no Pinheiros.
Barros diz que a Sabesp não reconhece os resultados do estudo feito pela ONG e considera apenas o acompanhamento da Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo). “São amostragens colhidas em laboratórios certificados e demonstram que a qualidade do rio é boa.”
Gustavo Veronesi, coordenador do programa Observando os Rios, da SOS Mata Atlântica, afirma que a despoluição de um rio não pode ser encarada como um projeto que tem início, meio e fim, mas sim como um processo contínuo.
“E o Pinheiros não está despoluído. O processo é muito mais longo do que quatro anos –não dá para resolver 100 anos de poluição em quatro”, afirma.
Uma limpeza mais efetiva do Pinheiros é dificultada, ainda, pelo fato de o rio ser praticamente parado. Sem o movimento, o oxigênio presente na água não se renova, atrapalhando a recuperação natural do rio.
“Um dos problemas que levaram à diminuição da vazão natural do Pinheiros é como se ocupou aquela área. Houve muita impermeabilização do solo e é a absorção da água da chuva pelo solo que faz com que a vazão ao longo do ano seja mais perene”, explica José Carlos Mierzwa, professor da Escola Politécnica da USP.
“Ainda está muito distante da realidade das pessoas terem um contato mais próximo com o Pinheiros, mas hoje está muito mais perto do que era há dez anos”, pondera Veronesi. Segundo os dados oficiais, cerca de 300 mil pessoas utilizam a ciclovia e o parque Bruno Covas por mês. “Agora tem a ciclovia e as pessoas chegam ali. O parque linear é fundamental para que haja uma convivência com o rio”.
JÉSSICA MAES / Folhapress