RIO DE JANEIRO, RJ E BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – No Malba (Museu de Arte Latino-americana), em Buenos Aires, na Argentina, os celulares dos visitantes não param de fotografar quadros brasileiros, entre eles “Elevador Social” (1966), de Rubens Gerchman.
Mas, se depender da defesa de Geneviève Boghici, 84, a obra avaliada em R$1,5 milhão deverá retornar ao Brasil, assim como outro quadro vendido sem a sua permissão, em um caso policial que nesta quinta (10) completa um ano.
“As obras devem voltar ao acervo do espólio e iremos iniciar contatos para reavê-las”, disse o advogado Ary Brandão, que representa Geneviève.
Os quadros integravam o inventário familiar coadministrado por Geneviève e suas filhas, no Rio de Janeiro, e teriam sido desviadas por uma das filhas, Sabine Boghici, sem o consentimento da mãe, com outras obras e joias, em um prejuízo avaliado em R$ 725 milhões.
A defesa de Sabine sempre negou as acusações. Procurado, o advogado Vanildo Júnior disse que não iria se manifestar agora. Em nota publicada em março, quando sua cliente deixou a prisão, ele afirmou que “a acusação apresenta fundamentação frágil e amparada exclusivamente na palavra da vítima, em represália a contestação da sua inventariança e pelo fato da não aceitação do relacionamento homoafetivo da sua filha”.
Ela ficou sete meses presa e responde em liberdade às acusações de associação criminosa, estelionato, extorsão, roubo e cárcere privado contra a idosa. No total, seis pessoas foram presas no esquema. Atualmente apenas uma segue detida Rosa Stanesco, que é suspeita de participação em um outro caso de estelionato.
Ela e Sabine se casaram no ano passado. Sua defesa nega as acusações e recorre da decisão.
Além do quadro de Gercham, do espólio familiar foi vendida a obra “Maquete para Meu Espelho” (1964), de Antonio Dias, em uma leva de artes compradas pelo colecionador argentino Eduardo Constantini, que as emprestou ao Malba para exposição. O museu de Buenos Aires é conhecido, entre outras coisas, por ter o quadro “Abaporu” (1928), de Tarsila do Amaral, ícone do movimento antropofágico.
Constantini afirma que as aquisições das obras de Geneviève foram realizadas dentro da legalidade. “Comprei de boa-fé, do mesmo marchand que me vendeu obras da Geneviève, a viúva. E ele, de boa-fé, pensou que eram obras que o pai tinha dado de presente à filha. Eram duas obras que são muito boas, não têm um grande valor, não é tanto dinheiro, digamos. Era o mesmo marchand amigo do Jean de toda a vida, amigo da Geneviève. E eu comprei com nota fiscal, impostos”, afirmou.
Jean é Jean Boghici (1928-2015), um dos principais colecionadores do país, que morreu em 2015. Nascido na Romênia, ele foi marido de Geneviève e pai de Sabine.
Ainda segundo Constantini, após o caso tornar-se público, Geneviève lhe telefonou. “Ela disse para não me preocupar, que com essas obras não havia problema algum, mas não é a melhor experiência”
“Nunca tinha passado por isso. Como eu iria imaginar que o Jean , que é um grande colecionador e marchand cuja filha tem duas obras, e que também não são obras grandes, como iria imaginar que eram roubadas? Fui ao apartamento do Jean há muitos anos e havia uma obra espetacular do Di Cavalcanti que quis comprar, mas ele me disse: ‘não, essa obra, quando eu morrer, é para a minha filha’. O apartamento, depois de muitos anos, pegou fogo, e a obra foi queimada. Total, destruição completa da obra”, contou o colecionador. O incêndio atingiu a cobertura da família em em 2012, e destruiu parte da coleção.
Após a morte de Jean, o espólio passou para a administração da esposa e das filhas uma irmã de Sabine mora fora do país.
CASO ENVOLVEU CÁRCERE E DEPÓSITOS DE R$ 9 MILHÕES A VIDENTES, DIZ POLÍCIA
De acordo com a denúncia da Promotoria do Rio de Janeiro, o crime teria ocorrido entre janeiro de 2020 e abril de 2021. Inicialmente, Geneviève teria sido convencida por supostas videntes a pagar por um tratamento espiritual que evitaria a morte de Sabine.
Ela então teria realizado oito transferências que totalizaram R$ 5 milhões em duas semanas. Após isso, passou a desconfiar que estaria sendo vítima de um golpe. E, ao se recusar a continuar com os depósitos, afirma ter sido mantida em cárcere privado pela filha no apartamento da família, em Copacabana.
Ela disse ainda que a filha a obrigou a realizar faxina na cobertura, incluindo a limpeza das fezes de 20 cachorros que pertenceriam à filha. Em uma ocasião, um dos animais a mordeu, segundo ela.
Geneviève afirmou ainda ter sido ameaçada com uma faca para fazer transferências para a conta do filho de Rosa, uma das supostas videntes. Somente um dos depósitos foi no valor de R$ 692 mil. No total, a idosa apresentou à polícia comprovantes de transferências que totalizaram R$ 9 milhões.
Ainda segundo ela, joias e obras de arte foram retiradas de sua residência, com a justificativa de que seriam benzidas. Entre elas, o quadro “Sol Poente” (1929), de Tarsila do Amaral, que fora encontrado pelos investigadores debaixo de uma cama. Somente as obras que estão expostas no Malba não foram recuperadas.
Sabine ganhou a liberdade em março deste ano, mas não pode se aproximar da mãe. Geneviève tentou, em outra ação judicial, torná-la indigna da herança, mas desistiu do processo. E, continua a pagar o plano de saúde da filha.
“Ela sabe que é vítima, mas mantém o amor maternal”, disse o advogado de Geneviève.
BRUNA FANTTI E JÚLIA BARBON / Folhapress