SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Febre entre jovens de diferentes partes do país, as armas munidas com bolinhas de gel podem causar ferimentos graves e têm mobilizado as forças policiais na tentativa de diminuir o uso do produto de forma inadequada.
OS RISCOS À SAÚDE E À SEGURANÇA
O uso de armas de gel pode causar diferentes ferimentos. Estes perigos podem acometer os integrantes dos grupos participantes das “disputas” e também as pessoas e os veículos que eventualmente estejam transitando no local onde as bolinhas de gel estão sendo atiradas.
Entre os riscos à saúde, os danos aos olhos são os principais. Lesões oftalmológicas causadas pelo impacto da bolinha de gel podem causar sangramentos e provocar descolamento da retina, glaucoma secundário e perda de opacidade corneana. “São várias lesões, a maior parte de uveítes que são uma inflamação do tecido vascular interno do globo”, explica a oftalmologista Camila Moraes, vice-coordenadora do Departamento de Cirurgia Refrativa e coordenadora do Departamento de Ensino da Fundação Altino Ventura.
Segundo a especialista, alguns participantes das disputas estão guardando as balas em congeladores para que fiquem duras. “Ela deixa então de ser uma bala de gel e vira uma bala de gelo, o que tem um impacto totalmente diferente e pode levar a um outro tipo de dano, até com rasgos ou dilacerações da córnea mais graves”, explica. Algumas das condições causadas pelo impacto da bolinha de gel podem evoluir para consequências mais graves, como a cegueira, caso não sejam devidamente diagnosticados e tratados.
As unidades de atendimento estão recebendo as vítimas com ferimentos causados pelo produto. No Recife, a maior emergência oftalmológica do estado recebeu, entre os dias 30 de novembro e 13 de dezembro, 79 pessoas feridas nos olhos por conta das guerras com este tipo de produto. Além dos riscos aos olhos, é possível que as bolinhas de gel causem hematomas em outras regiões do corpo, como o abdômen e as coxas.
Além dos riscos à saúde, as armas de gel representam, também, um perigo à segurança pública. A semelhança com modelos reais faz com que as armas de gel sejam utilizadas para intimidação de vítimas e consolidação de crimes. Segundo a promotora Tathiana Barros, há casos de arrastão nos quais os assaltantes estavam portando armas do tipo.
A Secretaria do Estado de Segurança Pública de Sergipe explica que as armas de gel podem potencializar ações violentas. Segundo o órgão, este tipo de equipamento pode provocar reações de força policial e “até mesmo de civis em legítima defesa”.
Jovens estão se organizando para utilizarem as armas de gel nas ruas. Geralmente agendados via redes sociais, estes encontros consistem em troca de tiros entre os envolvidos, depredação de veículos e imóveis e ameaça à população, como informou a coluna de Carlos Madeiro no UOL. Na rede social TikTok, o assunto tem milhões de citações e registros.
O uso das armas de gel se espalhou pelo país. Em Garuva (SC), um grupo de crianças foi feito refém e obrigado a se ajoelhar no chão por adolescentes que estavam com armas de gel, em um caso que foi parar no Conselho Tutelar. No RJ, um vídeo que circula nas redes sociais mostra um policial conversando com um grupo de adolescentes sobre a proibição do uso do produto. Nas imagens, é possível ver pelo menos duas armas de gel que estariam sendo utilizadas pelos jovens.
No último dia 9, a SDS (Secretaria de Defesa Social) de Pernambuco promoveu uma entrevista coletiva para tratar o tema. O alerta para os pais de adolescentes visa ressaltar os riscos do produto. “Arma em gel não é brinquedo”, disse o delegado Mário Melo. Olinda e Paulista, cidades do Grande Recife, anunciaram a proibição do uso dessas armas em seus territórios.
A SSP de Sergipe anunciou a mesma orientação. Em nota emitida no último domingo (15), o órgão afirma que a recomendação será enviada para todas as prefeituras do estado. “A medida visa a proteção da saúde e segurança da população, especialmente de crianças e adolescentes, além de contribuir para a redução de comportamentos violentos e ilegais”, diz o texto.
“A utilização de objetos que imitam armas reais em brincadeiras pode contribuir para a banalização da violência, normalizando comportamentos agressivos e conflitivos”, disse a SSP de Sergipe, em nota oficial.
ARMAS DE GEL SÃO DE FÁCIL ACESSO
As armas de gel, chamadas também de “metralhadoras”, são facilmente encontradas em lojas e na internet. Segundo diversos anúncios deste tipo de produto, a arma de gel é uma opção “divertida” para as crianças. Apesar de muitas vezes ser anunciada como “brinquedo”, o objeto não é considerado desta forma e não pode ter selo do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia). “Réplicas de armas com projéteis de bolas de gel são semelhantes a equipamentos como airsoft e paintball, regulamentados pelo Decreto nº 11.615, de 21 de julho de 2023, o qual não está sob a competência do Inmetro”, disse o instituto em nota.
Apesar dos potenciais perigos envolvendo as bolinhas de gel, parte dos vendedores minimizam os riscos. O UOL analisou a descrição inserida em diferentes plataformas em que a arma de gel é comercializada. Segundo estes anunciantes, as bolinhas de gel são “refrescantes e inofensivas”, e a arma em si é “uma forma inovadora e segura” para que as crianças brinquem e “utilizem a imaginação”.
Neste formato de venda, os eventuais riscos da arma de gel aparecem em breves avisos. Nos anúncios verificados pelo UOL, há observações como: “Utilize sempre os óculos de proteção durante as brincadeiras”, “Use os óculos de proteção fornecidos junto ao produto” e “Equipado com acessórios de proteção”.
Redação / Folhapress