Queda de presidente da Câmara evidencia crise da democracia dos EUA, diz historiador

WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – A derrubada, pela primeira vez na história, de um presidente da Câmara na última terça (3) é mais um sintoma da deterioração da democracia dos Estados Unidos, especificamente do modelo bipartidário.

A avaliação é de Alexander Keyssar, professor de história e política social na Universidade Harvard e autor do livro “O Direito ao Voto: A História Contestada da Democracia nos Estados Unidos”.

“O que vimos é a deterioração do Partido Republicano como uma sigla que pode integrar um sistema bipartidário, que inevitavelmente envolve trabalhar com o outro lado e fazer concessões”, afirma em entrevista por vídeo à Folha de S.Paulo.

Quais foram os erros de Kevin McCarthy na presidência da Câmara?

Toda essa situação foi criada pelo fato de ele concordar com todas essas regras pedidas pela extrema direita para se tornar presidente na 15ª rodada de votação. Ele era, por definição, um presidente muito fraco. Dizia coisas diferentes para pessoas diferentes. Fez acordos com os grupos radicais para poder se tornar presidente, mas depois fez um acordo diferente com o Senado e com o presidente [Joe Biden] sobre o Orçamento -e também não honrou esses acordos. Esses republicanos radicais e certamente os democratas perderam a confiança em sua palavra.

Sabemos que o Congresso está dividido e que o Partido Republicano vive um caos. É possível ser presidente da Câmara agora sem agir como ele agiu?

É muito difícil dizer. Os presidentes republicanos da Câmara têm sido instáveis desde a década de 1990. Newt Gingrich era um poderoso presidente [durante o governo Bill Clinton] e foi basicamente derrubado na década de 1990 depois de perder assentos em uma eleição. Os dois presidentes republicanos anteriores [a McCarthy] foram John Boehner e Paul Ryan. Ambos também renunciaram ou foram forçados a sair.

Parece não haver maneira de um presidente republicano da Câmara poder participar realmente do governo, o que sempre incluirá trabalhar com os democratas e também satisfazer a ala de extrema direita do partido. O problema parece ser em parte estrutural.

O sr. acha que os democratas agiram certo ao se aliar aos republicanos radicais e votar contra McCarthy?

Não acho que eles tiveram escolha. Eles também não confiavam em McCarthy. Todo mundo viu McCarthy indo aos programas de entrevistas no domingo e dizendo que a quase paralisação do governo [na véspera] tinha sido culpa dos democratas. Se você quer que os democratas o apoiem para que você se mantenha no cargo, não pode culpá-los por uma crise que eles não criaram. A visão deles era: não podemos trabalhar com esse cara. E se não podemos trabalhar com esse cara, então não vamos salvá-lo.

Pela primeira vez na história a Câmara derrubou seu presidente. O sr. vê isso como mais um sintoma da deterioração da democracia americana?

Sim, mas não vejo uma falha da instituição, por si só. É uma falha do sistema bipartidário. O que vimos é a deterioração do Partido Republicano como um partido que pode ser um dos dois grupos em um sistema de dois partidos, que inevitavelmente envolve trabalhar com o outro lado e fazer concessões.

O sr. considera que a democracia americana se beneficiaria de um terceiro partido forte?

Sim. Não acho que queremos 20 como no Brasil [risos]. Por um lado, tornaria mais distritos competitivos. E também seria possível que ideias e

Uma paralisação do governo é mais provável agora?

Vai depender de quem se tornará o presidente da Câmara. Se Jim Jordan se tornar presidente, uma paralisação se torna muito mais provável. Ele é um direitista Maga [Make America Great Again] militante. Vai insistir nos cortes de gastos e provavelmente em não dar dinheiro para a Ucrânia.

É viável os democratas conseguirem apoio de parte dos republicanos e elegerem um presidente?

Não acho. Quero dizer, talvez se eles ficarem empatados por mais dez rodadas e não conseguirem eleger alguém, há uma pequena chance de isso acontecer.

Parte do problema é que não tenho certeza se há muitos, entre aspas, republicanos moderados na Câmara. Se houver, essas são as pessoas que talvez estejam dispostas a concordar com os democratas. Mas vão sofrer nas primárias muito rapidamente. Podem conseguir fazer isso agora, mas depois estariam fora de seus cargos, e sabem disso.

Os democratas também têm suas divergências. Por que hostilidades pessoais, e não questões políticas, viraram uma força tão poderosa no Partido Republicano?

Uma das razões subjacentes é que eles realmente não querem fazer muita coisa. Eles não têm nenhuma legislação específica que queiram aprovar. Basicamente não acreditam na gestão do governo federal [democrata].

Qual será o papel do Congresso até as próximas eleições? Ficará paralisado?

Sim. Ficará em grande parte paralisado.

Isso também é uma má notícia para Joe Biden.

Sim, mas também depende exatamente qual será a forma da paralisia. Estou presumindo que o governo pode ficar sem dinheiro, mas vai voltar a funcionar porque eles não podem deixá-lo sem financiamento por muito tempo. Mas em termos de conseguir fazer outras coisas… Pode haver algumas questões centrais para republicanos moderados que eles possam trabalhar com os democratas, mas acho muito mais provável que o governo fique paralisado até as eleições de 2024.

Raio-X | Alexander Keyssar, 76

Historiador, é o professor da cátedra Matthew W. Stirling Jr. em História e Política Social da Escola de Governo Kennedy, na Universidade Harvard. É autor do livro “O Direito ao Voto: A História Contestada da Democracia nos Estados Unidos”, finalista do prêmio Pulitzer em 2001. Em 2004 e 2005, presidiu a Comissão Nacional de Pesquisas sobre Votação e Eleições do Conselho de Ciências Sociais.

FERNANDA PERRIN Alexander Keyssar / Folhapress

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