RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) – Em 2050, 76% dos países do mundo (155 de 204) devem ficar abaixo da taxa de fecundidade recomendada para repor suas populações e, até o final deste século, esse número deve subir para 97% das nações (198 de 204). A projeção é de um estudo mundial divulgado nesta quarta-feira (20) pelo Global Burden Disease (GBD), instituto internacional de métricas em saúde.
De acordo com o relatório, as quedas nas taxas ao longo dos próximos anos serão drásticas e devem transformar os padrões populacionais globais. Os autores também destacam que nas regiões de baixo rendimento, sobretudo no continente africano, o número de nascidos vivos pode quase a duplicar (saltar de 18% em 2021 para 35% em 2100).
“A África Subsaariana será responsável por uma em cada duas crianças nascidas no planeta em 2100”, diz o artigo da GBD publicado na revista The Lancet. Em 2021, 29% dos bebês do mundo nasceram na parte subsaariana do continente africano e a estimativa é de que isso aumente para 54% até 2100.
O documento recomenda investimento em um melhor acesso a contraceptivos e à educação sexual para reduzir as taxas de natalidade nas áreas mais pobres. Aos países de renda mais elevada, a indicação é de maior apoio aos que decidem ser pais, bem como a uma imigração mais ética, pontos considerados “vitais para manter o tamanho da população e a economia”, conforme destaca nota do estudo.
Os autores alertam que os governos precisam fazer um planejamento para esse cenário. O desafio econômico será viver em um mundo onde a maior parte dos países terá dificuldade em fazer crescer a força de trabalho ao mesmo tempo em que suas populações envelhecem e precisam de mais de cuidados.
A redução da população pode afetar ainda a saúde e a segurança alimentar e geopolítica das nações. “Irão transformar a forma como vivemos”, reforçam os pesquisadores.
Para Angelita Alves de Carvalho, demógrafa, pesquisadora e docente da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (ENCE) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), a situação ainda não é alarmante.
“Eventos na demografia não mudam tão rapidamente, especialmente a tomada de decisão para se ter filhos, que tem relação direta com questões sociais e culturais e demandam um certo tempo para serem apreendidas”, diz a professora.
A redução da média de filhos para níveis abaixo de 2,1 (taxa necessária para a reposição populacional), segundo a demógrafa, não significa uma perda populacional imediata. “Isso varia, mas só ocorre depois de no mínimo 50 anos desde que se ultrapassa esse limite. Mas tudo vai depender da interação com os níveis de migração e mortalidade de cada país”, avalia Carvalho.
A demógrafa aponta ainda que a diminuição populacional poderia trazer benefícios, pois contribuiria de forma direta para a redução dos impactos ambientais do planeta e do consumo alimentar, entre outros. Carvalho lembra, porém, que esses fatores não significam deixar de dar a devida atenção à garantia dos direitos reprodutivos dos indivíduos (ter ou não filhos no momento e na quantidade que desejarmos por meio de acesso a contraceptivos e maior igualdade de gênero na divisão do trabalho).
No Brasil existe uma queda a caminho e devemos, até 2040, nos aproximar da situação vivida em locais como Portugal, Itália e Espanha. O país alcançou o nível de reposição de população no início da década de 2000 e, desde então, vêm reduzindo constantemente suas taxas de fecundidade, que foram ainda mais aceleradas pela pandemia de Covid.
“As projeções do IBGE apontavam para níveis próximos de 1,5 para 2030, mas acredito que, com base na queda dos nascimentos observadas, o Censo de 2022 irá mostrar algo ainda mais baixo”, diz Carvalho
Daniel Suslik Zylbersztejn, coordenador médico do Fleury Fertilidade e PhD em reprodução humana, destaca que a média de filhos no Brasil em 1960 era de 6,3 por mulher, chegou a 2,9 em 1990 e, já em 2020, passou a 1,6. “Vários fatores contribuem para essa queda, entre eles a urbanização, maior participação da mulher no mercado de trabalho, educação sexual e planejamento familiar”, diz o médico.
Para ele, o setor privado pode contribuir positivamente com a sociedade ao promover ações de inclusão das mulheres em cargos de liderança, inclusive as que já têm ou desejam ter filhos. O coordenador cita como exemplo o programa Amor de Mãe do Fleury, que oferece às colaboradoras da rede serviços de saúde para gestante, acesso a planejamento familiar (por meio de colocação de DIUs; vasectomia, entre outros) e descontos nos procedimentos de fertilização.
A psicóloga Silvia Rezende, especialista em terapia cognitivo-comportamental, pontua que questões práticas da criação de filhos, como insegurança financeira, falta da assistência médica, custo médico, mental e físico, entre outros, tem colaborado para as quedas de fecundidade no mundo desde a Segunda Guerra Mundial.
“No passado a criação dos filhos era feita de maneira coletiva, pela comunidade. Foi a partir do século 19 que aconteceu a divisão de papéis e atribuições da família, que passa a funcionar como um modelo de homem provedor e mulher cuidadora”, diz a psicóloga. A pressão que recai sobre a mulher, desde então gera um alto custo sobre as mães. Fatores que só reforçam a importância de apoio à maternidade, como acesso a creches e escolas ou equidade salarial para mulheres.
Rezende, que é colaboradora do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina Universidade de São Paulo (USP) no Programa de Psiquiatria Social e Cultural (PROSOL), grupo focado em imigrantes, refugiados e solicitantes de refúgio, diz ainda que apenas a imigração ética não será suficiente para repor a mão de obra dos países com baixa natalidade.
“Pensar no crescimento populacional passa por cuidar dessas crianças. Elas precisam crescer saudáveis para se tornarem adultos”, diz a psicóloga. Com base em seus atendimentos, ela afirma também que muitos dos imigrantes viajam sozinhos por medo de não ter como manter a família no país de destino.
“Políticas públicas de acolhimento aos refugiados precisam ser implantadas até para que essa população traga os filhos porque eles acabam vindo sem ou muitas vezes só o homem ou só a mulher”, afirma Rezende.
Nathalia Rodrigues, professora doutora em História Política pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, reforça que a maternidade é uma questão urgente. “Não é por acaso que cada vez mais mulheres estejam desistindo de se tornarem mães. No Brasil, a maternidade é ainda uma das cargas de trabalho mais exaustivas para as mulheres. Trabalho esse que, na maioria das vezes, é invisibilizado ou ainda, romantizado”, diz Rodrigues.
A docente diz que questões como licença paternidade maior, para que pais também sejam responsáveis e atuantes nos primeiros meses de vida de um bebê, e requalificação profissional de mães, precisam ser colocadas em pauta. “Se a diminuição da natalidade impacta diretamente a vida de toda a sociedade, toda a sociedade deveria ser responsável, junto às mães dessas novas crianças”, diz a professora.
DANIELLE CASTRO / Folhapress