SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quando está em quadra jogando pelo Hand Ibira, Marcus Oliveira, 38, sempre procura fazer o melhor pelo time como pivô ou armador, mas não é fácil para ele como um homem gay atuar com liberdade na equipe de handebol formada majoritariamente por pessoas heterossexuais.
“Não é que eu me sinta reprimido, mas tem aquele sentimento de que, a qualquer momento, vou ouvir uma ‘piadinha’, uma ‘brincadeira’, que acaba inibindo de você ser exatamente o que é”, diz.
O rendimento dele muda, no entanto, quando está defendendo as cores do Fadas, seu outro time, formado por membros da comunidade LGBTQ+. “Com eles, muda muito, porque estou amparado no esporte que eu amo e numa causa que é a minha vida. Isso me fortalece na hora de jogar”, explica.
Marcus não está sozinho. Seu sentimento também é compartilhado por mais de 120 atletas que, assim como ele, disputam a partir desta sexta-feira (1) a quinta edição da Queer Cup, competição brasileira de handebol LGBTQIAPN+, que vai reunir oito equipes neste ano.
O evento terá três dias e será disputado até domingo (3) no Centro Olímpico de Treinamento e Pesquisa em São Paulo. O local também recebeu a edição de 2022.
Além do cunho esportivo, seus organizadores consideram a competição como um dos principais espaços de visibilidade e inclusão para a comunidade LGBTQ+ no Brasil. O torneio tem apoio da Confederação Brasileira de Handebol.
“Além da busca pelos títulos, o campeonato reforça ainda mais a união entre os atletas da comunidade, mostrando que não estamos sozinhos em nossa luta pela inclusão,” diz Lucas Paioli, 40, um dos atletas voluntários responsáveis pela organização do torneio.
Quem está na organização de campeonatos e clubes, como Marcus e Lucas, já ouviu diversas vezes a afirmação de que iniciativas assim, exclusivas para gays e lésbicas, criam bolhas em vez de desafiar o preconceito. A sensação entre os membros da comunidade, porém, é outra.
Para Julio Freitas, 31, ex-presidente do Fadas e atualmente ponta-esquerda do time, “no mundo ideal”, não seria preciso ter torneios e times exclusivos para a comunidade gay. Mas, como ele diz acreditar que não é possível criar esse ambiente, as iniciativas são necessárias para estabelecer “locais seguros”.
“Se não for assim, essa parte de você, do amor pelo esporte, acaba morrendo dentro de você”, afirma Julio.
Apesar de valorizar as competições exclusivas, o Fadas não costuma fazer amistosos somente dentro da comunidade. Enfrenta, também, times definidos por eles como “equipes de héteros”.
Julio não se recorda de ter tido nenhum problema nessas partidas, mas percebe que os adversários estão cada vez com mais “medo” em quadra. Segundo ele, não é por uma questão esportiva, mas sim o receio de ter algum comportamento homofóbico.
“A gente vê que alguns têm medo de interagir com a gente e falar alguma coisa errada e ser cancelado, ser visto como homofóbico”, diz.
Quebrar essa barreira com os “times de héteros” também é uma das missões do Fadas, que além de ser pioneiro no Brasil, também foi a primeira equipe do país a levar sua mensagem para o exterior.
Em setembro, o time conquistou o título dos Juegos LGBT de Buenos Aires, tornando-se a primeira equipe brasileira de handebol LGBTQ+ a conquistar um título internacional. “É um orgulho imenso para todos nós. Foi muito especial ver que a nossa causa, a nossa missão se encontra com a causa de outras equipes de países diferentes”, festeja Marcus.
“Essa conexão é muito inspiradora e reforça o quanto o esporte pode ser um espaço para a inclusão e o respeito”, acrescenta.
LUCIANO TRINDADE / Folhapress