WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – À vitória de Donald Trump seguiu-se uma frenética busca por respostas para explicar seu retorno à Casa Branca. Uma delas é uma discreta senhora de jeito tranquilo, cabelos brancos e óculos espelhados.
Graças a Susie Wiles, 67, os adjetivos “profissional”, “disciplinada” e “organizada” foram usados pela primeira vez para descrever uma campanha do agora presidente eleito.
Ele a recompensou com o segundo cargo mais importante de Washington. Será a chefe de gabinete de seu governo, a primeira mulher a exercer essa função na história. A dúvida é se conseguirá gerenciar seu mandato com a mesma mão de ferro com que comandou a campanha.
A “dama de gelo”, nas palavras de Trump, é uma velha operadora política da Flórida. Os dois tiveram o primeiro contato antes da eleição de 2016, quando ela integrou a operação local da campanha trumpista. Em 2020, conseguiu entregar ao republicano a única vitória obtida por ele à época nos estados-pêndulo.
Quando a carreira política de Trump parecia acabada, após a invasão do Capitólio em 2021, Wiles aceitou o convite de Trump para ser seu braço direito. Ela é creditada como a pessoa responsável por manter -o tanto quanto possível- o empresário focado na estratégia e contornar seus arroubos mais danosos.
“Vou lhe dizer uma coisa: o Donald Trump que eu passei a conhecer não age dessa forma, e pela lente com que o vejo, não enxergo nada disso”, afirmou ela sobre a retórica violenta do empresário ao jornal Tampa Bay Times, em 2016. “Vejo pontos fortes, vejo inteligência, vejo uma ética de trabalho sem igual.”
Wiles é filha de Pat Summerall, ex-jogador de futebol americano pelo New York Giants e que entrou para o imaginário americano como comentarista esportivo. Alcoólatra, foi um pai ausente, e creditou a uma carta escrita pela filha sua decisão de se abster da bebida.
Um perfil de Wiles publicado no site Politico tenta traçar um paralelo entre crescer com um pai viciado e trabalhar para um político intempestivo. Nos dois casos, argumenta o texto, é necessária uma habilidade sofisticada de ler o ambiente, as variações de humor e entender o que se pode e não controlar. E também a hora de se fazer indispensável, e a de se fazer invisível.
Psicologismos à parte, Wiles é descrita por pessoas de todo o espectro político como uma pessoa extremamente competente e inteligente. Uma das poucas capazes de dizer não a Trump sem sofrer as consequências disso.
É também uma das raras pontes entre o trumpismo e o establishment republicano, seu berço político. O anúncio de seu nome para chefe de gabinete foi elogiado até por Jeb Bush.
Essas qualidades deixam muitos intrigados com o que a levou a se associar ao empresário -uma pergunta que o jornalista Michael Kruse, autor de seu perfil para o Politico, diz ter ouvido de muitas fontes que entrevistou.
“Em minha carreira inicial, coisas como boas maneiras eram importantes, e havia um nível esperado de decoro. E entendo que o Partido Republicano de hoje é diferente. Existem mudanças com as quais precisamos conviver para realizar as coisas que estamos tentando fazer”, disse ela ao repórter.
E ela soube muito bem navegar essas mudanças. Em 2018, Wiles comandou a bem-sucedida campanha de Ron DeSantis para se tornar governador da Flórida. Mas, pouco depois, os dois entraram em conflito. Relatos na imprensa dizem que o republicano, sua esposa e seu chefe de gabinete começaram a se incomodar com o poder que Wiles concentrava no estado -e com os louros que recebia pelo sucesso eleitoral.
A pedido dele, Trump demitiu-a de sua operação pouco antes da eleição de 2020 -uma decisão que ele provavelmente amarga hoje em dia.
Visto como o principal concorrente de Trump na disputa pela nomeação republicana antes das primárias, a pré-candidatura do governador da Flórida rapidamente derreteu. A imagem de que ele seria um Trump sem o caos que cerca o ex-presidente foi gradualmente substituída por uma caricatura de um homem desajeitado, sem traquejo social. Foi uma destruição brutal.
Esse poder de sorrateiramente moldar a narrativa é um dos trunfos da futura chefe de gabinete, que cultiva habilmente suas relações com jornalistas. Ela é vista como alguém que sabe se fazer essencial para quem é essencial a ela. Wiles é próxima da família Trump e dos aliados mais próximos do ex-presidente.
Quando ele anunciou sua desistência, Wiles postou em seu perfil no X pela primeira vez em meses: “Bye, bye”.
FERNANDA PERRIN / Folhapress