SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Há dez anos, surgiu para a francesa Alli Willow, de 34 anos, a oportunidade de atuar em uma produção da Globo. Um trabalho deu lugar a outro e, desde então, não saiu mais daqui.
Se para muitos artistas brasileiros, o sonho é alcançar os gringos, para ela é construir cada dia mais sua identidade brasileira. Investir numa carreira internacional, por exemplo, é algo distante no momento.
“É muito difícil deixar uma realidade em que você está trabalhando muito por uma na qual você tem que começar tudo do zero”, diz ela ao F5. “Por mais que seja um mercado maior, é um mercado internacional que não me conhece.”
“Quando chego, muitas vezes, tem um certo desdém e pretensão de muitos países europeus e dos Estados Unidos em relação à arte [dos trópicos]”, relata. “É muito desvalorizado o que fiz aqui.”
Em 2019, Alli viveu a ironia de representar o Brasil do Festival de Cannes com o longa “Bacurau”. Seu mais recente papel é como a freira Emily, inserida no cenário violento de “O Jogo que Mudou a História”, do Globoplay. O papel, segundo ela, foi pensado como uma maneira de homenagear a freira Dorothy Stang.
A americana foi assassinada aos 73 anos, em fevereiro de 2005, no Pará. A missionária tinha cidadania brasileira e era agente da Comissão Pastoral da Terra, braço da Igreja Católica que atua com trabalhadores rurais. Ela foi abordada por dois homens quando se dirigia a uma reunião de agricultores.
“Não a conhecia antes, mas, desde que o José Junior [autor da série], falou dela, pesquisei muito. Ele me mandou muito material, vi documentários, li. Infelizmente, não tem tanta coisa”, conta. “Quando assumimos um personagem, assumimos uma energia de certa forma. Fiquei muito obcecada com o jeito dela porque, ao mesmo tempo que ela tinha muita doçura, também era muito assertiva.”
Segundo Alli, a postura, os olhares e até o sotaque (quase inexistente nela própria) de Emily foram, de certa forma, copiados da religiosa. “É uma responsabilidade muito grande porque tem uma pessoa real atrelada à história.”
IDENTIDADE
Alli é a primeira francesa de nascimento da família; o pai é americano e a mãe, da Armênia. Aos 16 anos, foi morar nos Estados Unidos para estudar em Nova York.
“Sou um híbrido de muitas culturas. Hoje, eu sou muito mais brasileira do que qualquer outra coisa. Dos 24 aos 34 anos, me desenvolvi como mulher e profissionalmente no Brasil. Vivi muitas coisas como adulta aqui.”
Toda a família dela é do cinema. O pai é documentarista de injustiças penais e sociais. Trabalhar na série sobre a violência urbana do Rio de Janeiro só ressaltou, para ela, aquilo que já via no dia a dia.
Ser atenta, segundo diz, permite perceber o contexto histórico de violência. Para a preparação, Alli fala que o elenco visitou uma triagem onde se decidia a penitenciária para onde cada detento seria encaminhado.
“Só de entrar, ver aqueles corpos, quem são as pessoas, o tipo de pessoas, é de ficar muito impactado. Você entende que está entrando em outra camada da sociedade. Foi desconfortável.”
MARIA PAULA GIACOMELLI / Folhapress