WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – “É a semana do tubarão, filhos da p.”
A frase foi dita por Gretchen Whitmer pouco antes de seu discurso na convenção do Partido Democrata de 2020, que oficializou Joe Biden como candidato contra Donald Trump. Quase quatro anos depois, diante da crise no partido após o desastroso debate da última quinta (27), a piada de outrora ganha os contornos de um chamado à batalha.
A governadora está entre os principais nomes cotados para substituir Biden caso o presidente ceda à crescente pressão e se retire da corrida. Os outros tubarões rondando o posto são a vice-presidente, Kamala Harris, os governadores Gavin Newsom (Califórnia), J.B. Pritzker (Illinois) e Josh Shapiro (Pensilvânia), e o secretário de Transportes, Pete Buttigieg.
Com um timing curioso, Whitmer lança na próxima terça-feira (9) um livro de memórias, uma das etapas básicas do roteiro de políticos que ambicionam voos mais altos. Na obra, ela narra desde a adolescência bagunceira aos desafios de governar um estado durante a pandemia de Covid-19, passando pela decisão de falar publicamente sobre o estupro sofrido na faculdade e pela tentativa de sequestro da qual foi alvo.
A agenda havia sido anunciada antes da crise pós-debate, mas vem a calhar diante da possibilidade de a convenção do partido, em agosto, escolher um novo candidato à Presidência se Biden se retirar da corrida.
O movimento “Draft Gretch” (escale Gretch) vem ganhando força. A governadora se destaca nos cenários especulativos em curso por ser uma política hábil, moderada e em ascensão no partido, além de ser mulher e jovem tem 52 anos. Na visão de analistas, é como se ela reunisse as principais qualidades da concorrência.
“Ela é pragmática. Ela está à esquerda do centro, mas é relativamente centrista em termos do partido”, diz a cientista política Jenna Bednar, professora da Universidade de Michigan.
Em 2018, Whitmer retomou o controle para os democratas do governo de um dos estados mais disputados do país e foi reeleita com tranquilidade em 2022. Não só isso; ela conseguiu estender o domínio do partido para a Câmara e o Senado estaduais, algo que não acontecia simultaneamente há quase 40 anos.
Bednar aponta que um ponto forte da governadora é sua capacidade de negociação. Em um estado quase simetricamente dividido entre democratas e republicanos, Whitmer conseguiu aprovar uma série de leis, incluindo controle de armas de fogo, promoção de energia limpa e garantia do direito ao aborto.
Esse último ponto coloca a governadora em sintonia com uma das principais apostas democratas contra Trump. Em 2013, quando era senadora no estado, ela ganhou projeção nacional ao contar na tribuna ter sido vítima de violência sexual no início da faculdade.
O alvo do discurso era um projeto de lei em tramitação na época que tirou o aborto do rol de procedimentos cobertos por planos de saúde. O projeto acabou sendo aprovado, mas, dez anos depois, como governadora, ela conseguiu derrubar a lei.
Outra bandeira forte de Whitmer em uma eventual disputa pela Casa Branca é infraestrutura, aponta Bednar. A área é uma prioridade da governadora em Michigan desde seu primeiro mandato; em uma eventual Presidência, esta seria uma linha de continuidade em relação ao governo Biden, que também investiu pesadamente nessa frente.
Whitmer também se destacou durante a pandemia, determinando políticas rígidas de isolamento social e uso de máscaras, que levaram Trump, na Casa Branca à época, a chamá-la com desprezo de “aquela mulher de Michigan” alcunha que Whitmer carrega com orgulho.
Foi por se oporem a essa atuação durante a Covid que 13 homens planejaram sequestrá-la, segundo uma investigação conduzida pelo FBI. A tentativa foi desmantelada em outubro de 2020, dominando as manchetes nacionais.
Mas é dessa época também uma das principais manchas em seu currículo, algo que a governadora reconhece no livro: apesar de ter imposto um limite de seis pessoas por mesa durante a pandemia, ela foi fotografada em um restaurante ao lado de mais de dez pessoas.
O principal ponto fraco de Whitmer, no entanto, é ser menos conhecida nacionalmente, em comparação com Kamala, Newsom e Buttigieg. Praticamente metade dos americanos diz não saber quem ela é, apontou uma pesquisa da CNN divulgada na terça (2). Ainda assim, Whitmer alcança 42% das intenções de voto, contra 47% do republicano um empate técnico, considerando a margem de erro de 3,5 pontos percentuais.
Ela já negou veementemente que pretende substituir Biden. A governadora rechaçou especialmente uma reportagem publicada no portal Politico, segundo a qual ela teria afirmado à campanha do presidente que, após o debate, ele não teria mais nenhuma chance de vencer em Michigan.
Uma carta na manga de Whitmer é que ela já tem um PAC, como são chamadas as organizações para arrecadação de fundos com fins de campanha. Fundado no ano passado, ele foi oficialmente criado para financiar candidaturas de nomes apoiados por Whitmer, mas entendido nas entrelinhas como mais um passo mirando as primárias de 2028.
Segundo Bednar, nada impede que o PAC seja convertido agora em prol de uma campanha antecipada pela vaga democrata.
FERNANDA PERRIN / Folhapress