Quem é Ilê Sartuzi, artista brasileiro que furtou moeda histórica do Museu Britânico

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O furto foi planejado de forma metódica e minuciosa. A preparação levou mais de um ano, envolveu 20 visitas ao local do ato e um ensaio. Mas o artista plástico Ilê Sartuzi precisou de mais de uma tentativa para se apropriar de uma moeda inglesa do século 17 em exibição no Museu Britânico, um dos mais importantes do mundo.

Depois do furto performático, batizado de “Sleight of Hand” —ou truque de mãos— que terminou com o objeto devolvido na caixa de doações da instituição, o brasileiro virou de vez “persona non grata” da instituição e manchete dos principais jornais do mundo.

Ao furtar uma moeda de origem britânica, em um momento em que a repatriação de artefatos históricos protagoniza o debate no meio artístico, ele criou um espelho invertido em que o colonizador se viu no lugar do colonizado.

Em sua primeira visita ao museu, no ano passado, Sartuzi viu um funcionário exibindo as moedas da coleção para os visitantes. A cena o lembrou de um truque de ilusionismo popular na Inglaterra, em que se escondem bolas sob copos embaralhados. “Quando essa imagem veio na minha cabeça, decidi fazer um truque de mágica.”

O furto de 18 de junho foi gravado com a ajuda de três amigos e apresentado como projeto de conclusão de mestrado na Goldsmiths, University of London. Como o Museu Britânico, a universidade não viu com bons olhos o projeto e ameaçou censurar o trabalho.

O projeto, no entanto, foi liberado após uma conversa entre a direção e o advogado de Sartuzi. Na dissertação, ele discute o roubo de bens culturais de países pobres por grandes potências europeias, como França e Inglaterra.

Os objetos saqueados durante o colonialismo e o imperialismo estão no acervo das maiores instituições de arte da Europa. “É raro ter alguma coisa de fato britânica no Museu Britânico”, diz ele. “Por isso, não queria pegar algo da América do Sul, por exemplo, e sim um objeto que fosse da Inglaterra.”

“É um gesto muito simples, um truque de mão, mas que inverte dinâmicas de poder do museu e também a relação da autoridade colonial com o sujeito colonizado”, afirma, acrescentando que os grandes museus europeus são baseados em estruturas coloniais e reproduzem visões imperialistas. “É uma violência que não está apenas nos objetos roubados, mas também nas leis que legitimam esse roubo.”

Ele se refere ao Ato do Museu Britânico, uma legislação inglesa que regulamenta e impede o retorno de itens roubados. A lei passou a ser alvo de escrutínio à medida que países saqueados começaram a exigir a devolução de seus bens culturais.

Esse movimento de restituição ganhou fôlego a partir de 2017, quando o presidente francês Emmanuel Macron prometeu restituir permanentemente o patrimônio africano detido por museus franceses.

A partir daí, países como Alemanha, Holanda e Bélgica criaram procedimentos internos para restituir os artefatos. Um marco nesse processo ocorreu em 2022, quando a Alemanha transferiu dezenas de esculturas, placas e ornamentos para a Nigéria.

No ano passado, o Museu Britânico anunciou que vai devolver uma coleção de mármores da Grécia antiga que adornava o Parthenon.

A repatriação, no entanto, é considerada um empréstimo, já que a legislação britânica impede a devolução permanente de bens culturais.

Já no começo deste mês, o Brasil recebeu de volta um manto do povo tupinambá que estava há três séculos em Copenhague, no Museu Nacional da Dinamarca.

Considerado sagrado pela comunidade indígena, a peça deve integrar o novo acervo do Museu Nacional. A repatriação é tratada como uma doação para evitar polêmicas entre o Brasil e a Dinamarca.

No entanto, não deixa de ser irônico doar aos países do sul global itens que, originalmente, já pertenciam a essas nações.

Essa ironia não escapou aos olhos de Sartuzi. Por isso, depois de furtar a moeda, ele decidiu colocar uma réplica na vitrine expositiva e depositar o original em uma caixa de doações do local.

“Eu acho que é um gesto mais interessante do que simplesmente roubar a moeda”, diz o artista. “Ela nunca saiu do museu e foi inserida de volta por dentro da infraestrutura da instituição. Então todos os problemas retornam e ela precisa lidar com isso.”

O artista, de 28 anos, já participou de exposições em espaços como Centro Cultural São Paulo, MAC-USP, Pinacoteca de São Paulo e Instituto Moreira Salles. Em 2021, ele ganhou o prêmio PIPA, uma das principais láureas das artes plásticas do país.

Sartuzi se firmou no mercado por explorar a teatralidade em suas obras. Em 2022, apresentou no Sesc Pompeia o espetáculo “Cabeça Oca Espuma de Boneca”, uma peça teatral que substituiu atores por bonecos e manequins.

A obra foi inspirada pela ideia de estética da ausência, do diretor e compositor alemão Heiner Goebbels. “Quando não há ator em cena, a atenção do espectador fica mais difusa e vai para outros elementos do teatro, como a luz e funcionamento das cortinas.”

Discutir como as coisas funcionam, aliás, é outra característica dos trabalhos do artista. Em 2021, ele fez uma exposição intitulada “A. E A de Novo” no Auroras, espaço cultural localizado no Morumbi, em São Paulo.

A mostra ocupou dois andares da casa modernista que abriga a instituição. Em um dos quartos, ele colocou dois manequins sentados em uma cama.

Na cabeça deles, foram projetados rostos humanos, formando figuras híbridas. Caixas de som faziam ecoar uma discussão pelo cômodo, como se um casal estivesse discutindo o relacionamento.

“Era uma discussão que falava o que é uma discussão. Me interesso por esses gestos simples, mas que mostram o funcionamento das coisas.”

O furto da moeda do Museu Britânico se insere nesse esforço de descortinar as entranhas da sociedade. “É como um passe de mágica que mostrou a própria infraestrutura do museu e as questões que são inerentes a ele.”

Ilê, porém, não deve repetir o truque. “Em tese, a gente não volta para a cena do crime.”

MATHEUS ROCHA / Folhapress

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