SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Você já ouviu falar do bispo Bruno Leonardo?
Caso não, saiba que não está sozinho. Mesmo pares da cúpula evangélica não conseguem dizer muito sobre o líder da baiana Igreja Batista Avivamento Mundial. O que faz dele um paradoxo curioso: desconhecido por tantos, exceto dezenas de milhões de brasileiros, Bruno Leonardo está a caminho de virar o segundo canal brasileiro mais popular no YouTube,
Os números são hiperbólicos. Hoje, o bispo tem 50 milhões de seguidores e ocupa o terceiro lugar no ranking. Essa posição não deverá durar muito: ele cresce tão rapidamente que em breve deverá subir um degrau nesse pódio, superando o youtuber Luccas Neto, irmão de Felipe Neto e pop no público infantojuvenil.
Segundo o Social Blade, site que analisa métricas digitais, a liderança isolada é do KondZilla, a maior produtora de funk do país. São 67,6 milhões de inscritos por ali.
Vejamos mais evidências da ascensão meteórica desse bispo de fala mansa e topete domado à base de gel. Análise da Folha mostra que, entre outubro de 2022 e junho de 2024, o perfil do bispo manteve uma média mensal de 471,4 mil novos assinantes.
A partir daí ele explode. O ápice foi em outubro do ano passado, quando ganhou 4,1 milhões de inscritos. Em apenas um mês, ele mais do que dobrou a base que o pastor Silas Malafaia mantém na plataforma (1,9 milhão).
Fora a numeralha extraordinária, o que, afinal, Bruno Leonardo tem que outros não?
Ele é um fenômeno alavancado pela pandemia, assim como o católico frei Gilson. O frade, é verdade, furou a bolha religiosa ao ganhar projeção midiática e espaço cativo nas guerras culturais, após ser apoiado por totens da direita como Jair Bolsonaro (PL) e Nikolas Ferreira (PL). Mas o evangélico, no mercado dos cliques, tem uma audiência sete vezes maior.
A fórmula de popularidade é parecida. Embora estejam atrelados a uma instituição, Gilson à Igreja Católica e Bruno à sua igreja batista independente, ambos viraram o que viraram graças à catapulta digital.
O bispo se apresenta também como profeta, dirige-se aos fiéis como “ovelhas queridas” e tem uma voz empostada de locutor. Costuma passar longe de conteúdos polêmicos.
Um raro comentário político, de 2022, serviu para endossar a tentativa de reeleição de Bolsonaro (PL). Afirmou à época que discordava da forma com que o então presidente se comunicava, mas que a pauta que ele defendia, contra aborto e drogas, o cativava.
Enfatizou, contudo, que “as pessoas do bem se entristecem” com o ódio direcionado a quem tem uma opinião divergente. Jesus não aprovaria.
Mas o engajamento eleitoral é exceção. Sua pegada é mais a autoajuda com invólucro bíblico, em mensagens de apelo universal: “Você sabe o que é inveja?”, “existe uma bênção financeira chegando de onde você menos espera”, “Deus está bloqueando todos os ataques espirituais contra você”. E por aí vai.
Posta ao menos três vídeos por dia, às 0h, 5h e 18h, sob títulos como “oração fortíssima” e “oração dos três livramentos” Às vezes, cita nomes específicos e diz que Deus tem uma mensagem para essa pessoa como Telma, que deveria se atentar à saúde da sua “região uterina”.
Dias atrás, numa pregação dedicada a alertar sobre pessoas falsas, Bruno Leonardo falou sobre a “vida sentimental debaixo de muita maldição” e personalizou o recado. “O senhor me mostra o nome Manuela, e o Senhor me mostra uma obra de maldição que foi erguida para trazer um fim ao teu relacionamento.”
O antropólogo Raphael Khalil, coautor de “Crentes – Pequeno Manual sobre um Grande Fenômeno”, vê no bispo “um cara que parece um oráculo, que fica falando, olha, eu tô vendo uma chave que vai abrir a porta de alguém'”.
Khalil lembra de se assustar com o alcance de Bruno Leonardo. “Ele deu superisolado [como o mais popular] e surpreendeu, porque ele não é essa figura que todo mundo conhece, né? Não é um Malafaia, não é um cantor gospel, não é um Deive Leonardo. É esse cara que tá aí meio solto e que conversa com o brasileiro popular.”
Vendedora numa distribuidora de alimentos, Laíze de Souza, 38, é essa tal brasileira popular. “Ele usa a palavra de Deus de uma forma simples, que ninguém possa sair ofendido, e nos faz abrir os olhos para o mundo em que vivemos cheio de maldades.”
Laíze se diz contemplada pela oratória do bispo. Aconteceu quando ele previu que “ia acontecer algo maravilhoso”, e ela e o marido confiaram até que “as coisas fluíram, e hoje temos o nosso próprio apartamento”, em Salvador. Também tomou para si um chamado para casais orarem juntos “que aí o relacionamento ficaria mais forte”. Deu no que deu: “A nossa relação já era boa e ficou melhor”.
Testemunhos afins se multiplicam, e também o carnê “Mais Que Vencedores”. Bruno Leonardo os envia para a casa das “ovelhas queridas”. São 12 folhas, uma por mês, no valor de R$ 50 cada. Laíze nunca deixa de pagar sua parte e acredita que, com o dinheiro, o bispo consegue ajudar outras pessoas.
“Nada faltando, nada quebrado, nada fora do lugar” é a frase de efeito na capa do carnê. O Reclame Aqui, site que reúne reclamações contra empresas e serviços, tem algumas dezenas delas contra a igreja de Bruno Leonardo. A maioria se queixa que a cobrança nunca chegou no destinatário.
Ele tem um brasão com BL, suas iniciais, uma coroa no topo e dois leões nas laterais. Lidera o Ministério Bispo Bruno Leonardo e lota arenas com dezenas de milhares de pessoas. Batizou esses encontros de “Visita do Profeta”. No começo do ano, precisou desmentir a fake news de que havia morrido.
A recepcionista Daniela Silva, 37, conta que conheceu o bispo por meio de uma amiga que sempre compartilha suas orações. “Tem dias que parece que ele fala diretamente para nós. E o principal: não fala em católico, evangélico etc. Fala em Deus, e todos nós que acreditamos em Deus somos crentes. Não precisa frequentar uma igreja específica ou religião específica.”
Uma chave para entender o fenômeno Bruno Leonardo pode estar justamente aí: ele oferece pílulas cristãs que saciam seus seguidores, à moda do best-seller “Café com Deus Pai”, numa relação cada vez menos dependente de uma instituição religiosa. O papo é reto entre o fiel e Deus, aqui mediado pelo autointitulado profeta.
Para o historiador Rodrigo Coppe Caldeira, chefe do Departamento de Ciências da Religião da PUC Minas, essa dinâmica “tem a ver com o foco no sujeito” e “essa ideia de que nós escolhemos tudo”, típica do individualismo. Aqui se manifesta o desejo de uma fé sem intermediários institucionais, ao sabor da contemporaneidade.
Não à toa o bispo estampa suas redes sociais com o lema “não é sobre religião, é sobre Deus!”.
ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER E GUILHERME FELITTI / Folhapress