CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) – “A verdade escorre ferozmente/ como uma lágrima pela bochecha.” Foi com esses versos que Troye Sivan abriu uma de suas canções de maior sucesso, “Heaven”, há oito anos. Uma referência ao ato de se assumir gay, a frase poderia também ser a descrição da discografia do músico.
Experiências pessoais e uma espécie de memória coletiva compartilhada entre homossexuais, afinal, guiam a carreira do australiano nascido na África do Sul, que alcançou status de ícone queer com um pop intimista, mas também dançante.
Um tanto nichada, a alcunha não impediu que sua bolha se tornasse porosa com o passar do tempo prova disso é a legião de fãs brasileiros que o viu hipnotizada no Lollapalooza de 2019. Agora, ao se preparar para o lançamento de seu terceiro álbum, ainda sem data, Troye deve chegar a mais ouvidos, graças ao papel que conseguiu na série do momento, “The Idol”.
“Mas eu não me preocupo em ser nichado, porque meu objetivo é me expressar. Eu não fico pensando em quem vai ouvir minha música, eu só escrevo o que me faz bem e torço pelo melhor”, disse o cantor de 28 anos no último Festival de Cannes, onde a série foi exibida.
“Eu já saí do estúdio sentindo que um peso deixou as minhas costas. A música para mim é definitivamente como uma terapia. Os sentimentos têm muitas nuances, então poder capturar isso numa canção é muito gratificante.”
Ele recebeu a imprensa durante o evento vestindo uma regata tricô de tons azuis, que deixava os braços finos despidos e fazia par com seus olhos. Troye também é um ícone fashion, e dali embarcaria numa turnê de desfiles de grifes como a Dior, que com frequência o põem na plateia vestindo modelitos andrógenos.
Nesses eventos, costuma ser visto ao lado de outros ícones queer de sua geração, como o saltador Tom Daley e os astros de séries gays da Netflix Manu Ríos, Omar Rudberg e Kit Connor. Na festa do Oscar promovida pela Variety neste ano, apareceu com o corpo magérrimo embrulhado por um macacão de couro lustroso, quase fetichista.
É com ousadia que o astro vem se apresentando recentemente. Não bastasse o papel em “The Idol”, que o pôs em festas alucinógenas, o transformou em testemunha de cenas de tortura e o vestiu com uma coleira de choque, Troye fez do sexo um grande amigo.
Nas últimas semanas, ele tem usado o Instagram para anunciar seu próximo single, “Rush”, e o novo álbum. As fotos de divulgação, provocantes, foram escolhidas para despertar a tal “agitação” que batiza a música. Há seu rosto orgasticamente contorcido sobre um lençol, um pacote de camisinha aberto e seu corpo nu encaixado na cama, como se penetrasse o colchão.
Sempre reforçando a estética e os temas queer de seu trabalho. Se em “Heaven” cantou sobre não querer perder uma parte de quem é para poder entrar no paraíso, enquanto filmagens de arquivo mostravam beijos, carícias e marchas do orgulho, na trilogia formada por “Wild”, “Fools” e “Talk Me Down” narrou a história de amor e preconceito de dois amigos de infância que se descobrem juntos.
Em “Bloom”, já sugeriu que frases como “eu desabrocho só para você”, “espere um segundo, baby, e desacelere” e “ponha gasolina no motor” são referências ao sexo anal. Mais recentemente, em “Angel Baby”, deixou a cueca “thong” a famosa fio-dental vazar da calça enquanto entoava uma balada inegavelmente fofa.
No vídeo, o branco pastoso de um bolo feito de chantilly pinta o corpo de twink de Troye isto é, magro, liso, essencialmente jovem, enquanto homens musculosos o beijam e ele canta sobre querer morar naquele momento para sempre, por ter medo que a vida não possa ser melhor do que quando ele está com o seu anjo.
Lutar pelo que acredita, se apaixonar e fazer sexo, porém, são experiências universais, mesmo que embaladas pela bandeira do arco-íris. E é por isso que Troye acredita que sua discografia tem passaporte para transitar por qualquer tipo de ouvinte.
“Isso é algo que eu aprendi ouvindo Amy Winehouse quando era criança. Você pode pensar que escrever sobre coisas muito pessoais e específicas vai alienar o público, mas na verdade faz o oposto. Então minha filosofia é sempre escrever do coração, ficar vulnerável diante da música”, diz.
Sua lista de referências é quase inteiramente formada por divas. Ele já declarou sua admiração por Lady Gaga e Madonna e fez covers de “Somebody to Love”, icônica na voz de Freddie Mercury, e de Britney Spears, ainda nos primórdios de seu canal no YouTube.
Foi lá que ele começou a ganhar projeção, como parte da primeira leva de youtubers profissionais dos anos 2000. Muitos dos vídeos ainda estão lá, com o rosto adolescente de Troye fazendo bobagens e respondendo perguntas de fãs. Num dos mais vistos, que completa uma década em agosto, ele sai do armário, o que só o impulsionou.
Dos menos de um milhão de visualizações que antes conseguia por postagem, hoje ele acumula 15, 30, 60 milhões a cada canção. Chegou a 210 milhões com “Dance to This”, parceria com Ariana Grande, amiga bastante próxima do cantor.
Muito antes de trilhar carreira nas telinhas da internet, no entanto, Troye já atuava em filmes e participava de apresentações musicais na TV australiana. Nos palcos, protagonizou uma montagem de “Oliver!”, em Perth, que abriu o caminho para ele vestir as garras de uma versão infantil de Logan, em “X-Men Origens: Wolverine”.
Na sequência, estrelou a série de filmes de coming of age “Spud”, até embarcar de vez na vida de cantor, em 2015. De tempos em tempos, ela lhe dá um intervalo para voltar às raízes de ator, como acontece agora com “The Idol” e como foi o caso nos filmes “Boy Erased: Uma Verdade Anulada” e “Três Meses”, ambos com temática queer.
“Atuar veio antes, profissionalmente, mas eu canto a minha vida inteira. A música para mim é tudo, é a minha vida. O resto são desafios divertidos.”
LEONARDO SANCHEZ / Folhapress