LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – O telefone tocou insistentemente, mas ele não atendeu. Depois de sucessivas tentativas de golpe, Victor Vidal havia decidido bloquear todos os números de fora do Rio de Janeiro. Foi preciso que a comissão julgadora do Prêmio Leya, promovido em Portugal pela editora homônima, o contatasse por email.
“Pediram que eu atendesse a chamada com o prefixo de Lisboa, e eu atendi. O telefonema mudou a minha vida”, diz o escritor de 32 anos em entrevista.
Seu romance “Não Há Pássaros Aqui”, que derrotou outros 906 candidatos e levou o prêmio de 50 mil euros, ou quase 300 mil reais, começa assim: “O telefone tocou insistentemente até eu me convencer a atendê-lo”.
É Ana, a protagonista, que recebe a notícia de que sua mãe havia desaparecido. Este é apenas o primeiro dos vários mistérios apresentados ao longo do livro, que pouco a pouco capturam a atenção do leitor.
Sem ser uma novela policial, “Não Há Pássaros Aqui” é uma trama calcada nas surpresas. Reflete as influências do autor, designer e historiador da arte que nunca havia publicado nada antes mas tem nove livros na gaveta.
“Sou da geração que começou a ler com Harry Potter. Depois passei a devorar romances de fantasia, como os de Phillip Pullman e C.S. Lewis. Também gosto da maneira com que Agatha Christie constrói as tramas, embora seus personagens sejam figuras de papel, sem muita profundidade”, afirma Vidal.
“Não Há Pássaros Aqui” é ambientado na zona norte do Rio de Janeiro, universo que o autor conhece bem. Vidal nasceu e foi criado no bairro da Pavuna, onde voltou a morar recentemente, depois de um período em Copacabana.
O Rio de Janeiro que ele retrata nada tem de solar. “Para quem mora na Pavuna, ir à praia é quase uma excursão a outro município.”
Existe no livro uma cena em que a protagonista e seu amigo Benjamim fazem essa viagem do Rio suburbano ao Rio turístico. É inevitável lembrar o trecho em que Lila e Lenu, as personagens centrais do best-seller “A Amiga Genial”, saem da periferia de Nápoles para ver o mar.
“É uma coincidência, embora eu goste muito do livro de Elena Ferrante e haja uma semelhança entre as duas cidades”, afirma Vidal. Nos dois casos, o sonho de conhecer a cidade de cartão-postal acaba em desilusão.
“Não Há Pássaros Aqui” é ambientado quase todo em lugares fechados e claustrofóbicos. É um romance, em última análise, sobre violência. Não a violência do crime organizado, que aparece em livros como “Cidade de Deus”, de Paulo Lins, mas a violência diária, cotidiana, que transforma radicalmente a vida dos que a sofrem.
Essa transformação se concretiza na linguagem de Ana, a protagonista-narradora. No decorrer do livro, ela se torna cada vez menos confiável, o que aumenta a curiosidade em relação ao desfecho da trama.
Como num exercício psicanalítico, os comportamentos do presente só podem ser compreendidos a partir de fatos vividos no passado. O romance vai e volta no tempo, em duas tramas que seguem paralelas em capítulos alternados.
Vidal conta que decidiu escrever um romance para concorrer ao Prêmio Leya depois que outro brasileiro, o baiano Itamar Vieira Junior, conquistou a honraria em 2018. Além da quantia vultosa em dinheiro, o vencedor ganha um contrato com a editora LeYa.
“Torto Arado”, o livro premiado de Vieira Junior, começou sua de best-seller a partir da publicação em Portugal, antes de ser comprado pela brasileira Todavia. “Não Há Pássaros Aqui” ainda não tem previsão de lançamento nem editora no Brasil.
Vidal tem condições de seguir o mesmo caminho de Vieira Junior? “Só a turnê para lançar o livro em Portugal já foi uma experiência fantástica para mim”, diz o autor.
Ele recebeu o prêmio em uma cerimônia na casa do embaixador do Brasil em Lisboa. O recorte de um Brasil diferente daquele com o qual os portugueses estão acostumados guiou as interações com jornalistas locais como, aliás, foi também o caso de Vieira Junior.
Não Há Pássaros Aqui
Preço 16,60 (248 págs.); 11,99 (ebook)
Autoria Victor Vidal
Editora LeYa
JOÃO GABRIEL DE LIMA / Folhapress