Quem é Wang Bing, cineasta barrado na China que mostra o país com crueza e afeto

CANNES, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Wang Bing anda tranquilo pelo tapete vermelho do Festival de Cannes, sob poucos flashes. Não reúne fãs ardorosos ou anda ao lado de celebridades. Atua, como ficou charmoso dizer hoje, à margem. Mas, se há cineastas alternativos, Bing atua nas franjas dessa margem.

Afinal, seus filmes são barrados em seu país natal, a China. Talvez por carregar um genuíno sentimento social –não socialista nem oficialesco–, que se opõe a um capitalismo mais do que evidente.

No exterior, é celebrado durante festivais e eventos, como a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que traz dois de seus filmes. E só. Mesmo nas sessões de “Juventude (Primavera)”, exibido no último Festival de Cannes, muitos espectadores não aguentaram as três horas e meia dessa obra sobre jovens trabalhando na indústria têxtil.

“Não tenho expectativa nenhuma de que meus filmes sejam vistos na China”, diz o diretor, “ao menos, não nos canais oficiais”. “Quem sabe, no futuro, poderão ser vistos por canais clandestinos. Mas não perco a esperança. Um dia, espero ter essa oportunidade.”

O temperamento discreto do diretor de 55 anos se reflete na linguagem da sua obra. Filmes como “A Oeste dos Trilhos” e “Almas Mortas”, que chegam a até nove horas, constituem um inventário cru e delicado dos excluídos de vários cantos da China. Imagens essas que, talvez, como diz o diretor, sejam um valioso acervo de época para seu povo.

Sempre invisível, sua câmera já registrou a decadência de distritos industriais, acompanhando os operários no trabalho, nas refeições, no descanso. Fez longas entrevistas com vítimas da perseguição comunista e registrou o cotidiano de um hospício por mais de um ano.

Em “Juventude (Primavera)”, isso fica evidente na forma como o diretor alterna a observação do trabalho nas máquinas de costura barulhentas com um registro da tímida vida social daqueles jovens –suas paqueras, passeios, amizades e brigas dentro dos diversos alojamentos que lotam a cidade de Zhili,

a 150 quilômetros de Xangai.

Há uma lógica de acumulação –não se trata se selecionar um ou outro grupo de personagens, mas mostrar, com riqueza de detalhes, o que é a vida daquelas pessoas.

Foram cinco anos de filmagens, de 2014 a 2019. Por essas e outras, Bing captura cenas como uma discussão entre um patrão e a mãe de uma jovem que quer abortar, mas está devendo a produção de centenas de calças para a loja. “Demoramos meses até conseguir a confiança [da personagem] e poder filmar essa cena”, diz.

Bing diz ficar desconfortável quando associam seus filmes a críticas rasas sobre a degradação do trabalho em seu país. “Não tenho nada a dizer sobre esse estereótipo da China como ‘a fábrica do mundo’. Apenas vejo essa enorme população de pessoas diferentes, trabalhando incansavelmente naquelas condições e acho que elas merecem atenção.”

Na Mostra, o cineasta ainda exibe “Homem de Preto”, um filme mais enxuto, de apenas uma hora, sobre o célebre compositor chinês Wang Xilin, de 85 anos, que, para exibir suas cicatrizes visíveis e invisíveis a partir da perseguição no país, caminha pelas cenas e memórias completamente nu.

JUVENTUDE (PRIMAVERA)

Quando: Mostra de SP: Sex. (27), às 19h10, no Cine Satyros Bijou

Classificação: 16 anos

Produção: França, Luxemburgo, Holanda 2023

Direção: Wang Bing

HOMEM DE PRETO

Quando: Mostra de SP: dia 28, às 15h, na Cinemateca; dia 1º/11, 13h30, no Espaço Itaú Pompeia

Classificação: 16 anos

Produção: França, EUA, Reino Unido, 2023

Direção: Wang Bing

HENRIQUE ARTUNI / Folhapress

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