SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Retorcida em três braços grossos, uma cerâmica imita a forma de um cacto esculpido por um cubista. O caule grosso, em vez de arredondado, ganha contornos geométricos, e seus espinhos são representados por grandes círculos em relevo.
O cacto vai acomodar outras plantas, já que se trata de um vaso. A peça é assinada por Zanini de Zanine, que, após conquistar o mercado brasileiro, ficou reconhecido internacionalmente no circuito de design como o representante do traço carioca.
O vaso-cacto surgiu após o que ele chama, por telefone, de mergulho em uma comunidade na Serra da Capivara, no Piauí. “A peça nasceu do contato com a percepção e a tradição locais”, diz. Algo similar aconteceu com a luminária “Flora”, inspirada nos contornos da monstera, a planta tropical conhecida popularmente como costela-de-adão. Confeccionado em metal, o objeto foi projetado para ser moldado à mão no estúdio italiano Slamp.
As duas peças estão no livro “Zanini de Zanine”, publicado pela editora Olhares, que reúne o percurso criativo do designer nos últimos 20 anos. Entre a diversidade de materiais, a madeira chama à atenção.
O trabalho das mãos é mais valorizado pelo designer frente à produção industrial. O motivo está no nome. Seu pai foi Zanine Caldas, escultor e moveleiro responsável por integrar o artesanato ao modernismo brasileiro que ganhou a alcunha de mestre da madeira.
A imagem de carpinteiros talhando peças criadas por seu pai ficou gravada em sua memória. “Me impressionava muito. O cara pegava um pedaço de raiz e transformava em uma cadeira, era quase um truque.” Foi também na infância que frequentou, ao lado do pai, as casas de nomes como Sérgio Rodrigues, Burle Marx e Tunga.
“Foi uma geração que enxergava a capacidade e a riqueza cultural e humanística que o país tinha”, diz. Os contornos limpos e orgânicos de parte de seu mobiliário poderiam ser interpretados como uma herança da geração que pensou o móvel moderno no país.
Hoje, porém, muitas madeiras nobres utilizadas pelos arquitetos nas décadas de 1950 e 1960 são escassas e, por isso, não podem ser usadas, como o mogno. Mas Zanine não vê problema em modelar com madeiras de demolição, como ipê branco e peroba, ou madeiras alternativas, como a tauari. Nesse último caso, ocorre o mapeamento, por órgãos federais especializados, de espécies que podem ser manejadas pela sua abundância.
Foi a maleabilidade que levou Zanine a ser classificado como a “estrela do design do Rio”, que “com sua intervenção material, colocou o Rio de Janeiro no mapa do design” pela TL Magazine, revista europeia especializada em design e artigos de luxo.
Título que ele relaciona a uma certa informalidade e despretensão, inerente ao gingado carioca. “Não tenho uma preocupação direta com tendências. Uso a matéria-prima que acho que funciona. Uso curvas e texturas que queria experimentar”, diz. Essa espontaneidade, segundo ele, é o que cativou os europeus.
O seu ateliê fica em uma comunidade na zona oeste do Rio desde 2003, onde trabalham carpinteiros da região. Agora, a casa está de mudança. O motivo, diz Zanine, é o controle de milícias na região. “Ficou muito pesado lá, infelizmente.”
O designer cria peças de forma artesanal, com tiragem limitada, utilizando “95% de madeira de demolição e outros 5% madeiras de áreas sustentáveis”. Em paralelo, pensa alguns projetos para a indústria e faz trabalhos de maior escala.
As criações estão reunidas no livro, que dedica as últimas paginas aos trabalhos artísticos de Zanine, atividade recente para o designer. Entre as obras, estão esculturas em madeira que não precisam obedecer a uma funcionalidade e telas minimalistas, em que as linhas representadas parecem ter sido retiradas, em um exercício de abstração, dos contornos das criações materiais do artista.
“Há muito mais prazer em criar o que às vezes não faz sentido, sem precisar encontrar funcionalidades”, diz Zanine, que considera a atividade uma oxigenação. “Me vejo mais próximo das artes do que do desenho industrial.”
ZANINI DE ZANINE: 2002-2022
Preço R$ 271 (270 págs.)
Autoria Zanini de Zanine
Editora Olhares
ALESSANDRA MONTERASTELLI / Folhapress