Queremos diálogo mais fluido e organizado com Haddad, diz presidente do Grupo FarmaBrasil

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Após a rejeição da MP (medida provisória) que alterava as regras de compensação de créditos do PIS/Cofins, o presidente do Grupo FarmaBrasil, Reginaldo Arcuri, defende em entrevista à Folha de S.Paulo que o governo crie um canal de diálogo estruturado, fluido e organizado com o setor produtivo para discutir o equilíbrio do Orçamento e o corte de gastos.

“Não há nada que substitua o diálogo”, diz. O grupo representa a indústria farmacêutica de pesquisa e de capital nacional. O executivo afirma que o setor gostaria de ter esse canal diálogo com o ministro Fernando Haddad (Fazenda).

“Uma coisa é você receber o setor privado, produtivo, a indústria, ou o agro e tal, para tratar de um problema ou o setor levar uma sugestão. Outra coisa é você ter um mecanismo, de tanto em tanto tempo, para sentar e discutir organizadamente, por exemplo, o Orçamento fiscal da União”, sugere.

Arcuri avalia ser muito complicado alterar os pisos constitucionais da saúde e da educação, algo estudado no governo. “É possível trabalhar tentando achar a melhor solução, desde que você não rompa o princípio constitucional: todos os brasileiros têm direito a uma saúde pública universal e gratuita”, ressalta.

PERGUNTA – Qual o impacto da rejeição da MP do PIS/Cofins?

REGINALDO ACRCURI – É meio uma obviedade, mas é necessário se repetir sempre. Não há nada que substitua o diálogo. Ainda mais quando se trata de questões que afetam o conjunto da estrutura do país. É claro que tem todo o processo vinculado à manutenção da higidez fiscal, mas por outro lado não se consegue gerar tributos se não tiver o setor produtivo produzindo. É necessário ter um diálogo muito maior. Não é que não haja, pelo menos que eu saiba. É muito mais uma questão, primeiro, de método e, segundo, de constância.

P. – É o caso da MP do PIS/Cofins?

RC – Essa MP atingia as empresas do setor farmacêutico de maneira diferente, dependendo do modelo de negócio de cada uma. Por causa disso, tudo depende de um diálogo permanente e estruturado. Tem que descer a detalhes para saber se o que está se pretendendo arrecadar tem correspondência com as possibilidades do setor privado.

P. – Como fazer isso?

RC – O governo tem que estruturar um pouco melhor isso. Por isso, digo que tem que ter método. Tá bom, precisamos fazer modificações na circunstância fiscal do país, sempre buscando equilíbrio. Mas há várias formas de você buscar equilíbrio. É sempre um equilíbrio dinâmico.

P. – Como é que compatibiliza a busca desse equilíbrio dinâmico com o diálogo?

RC – Tem que ter sistemas para fazer isso. Mas essa parte fiscal, eu acho que tinha que ter uma outra estrutura. Temos as confederações nacionais, que aliás foram as que atuaram no caso da MP 1227 [para a rejeição]. A CNI [Confederação Nacional da Indústria] se articulou com a CNA [da Agricultura] e a CNC [do Comércio], inclusive, o Alban [Ricardo Alban, presidente da CNI] foi conversar direto com o presidente Lula. Repito, tem que ter uma coisa mais formal, mais estruturada. Essas são as formas que o setor privado se organiza para ser representado. O governo tem que ter uma coisa equivalente a isso.

P. – Um canal melhor de diálogo?

RC – Mais fluido e organizado. Vamos discutir o equilíbrio do Orçamento? Perfeitamente. E quais são as bases? Quais são os números do governo? Quais são as propostas? Como é que articula isso com o setor privado? É possível fazer? De que forma?

P. – Empresários argumentam que a equipe do ministro Haddad não tem o mesmo canal de diálogo que tem com o mercado financeiro. Por que o senhor acha que isso acontece?

RC – Não posso responder por ele. Gostaríamos de ter um canal. Uma coisa é você receber o setor privado, produtivo, a indústria ou o agro para tratar de um problema ou o setor vai levar uma sugestão. Outra, é você ter um mecanismo, de tanto em tanto tempo, para sentar e discutir organizadamente. Por exemplo, o Orçamento fiscal da União.

P. – Mas o setor produtivo quer discutir as questões fiscais?

RC – Tudo. Questões fiscais tanto de aumento de arrecadação, quanto de cortes, e a discussão da alocação dos recursos. Qual é o problema? Nenhum. Não vai ter que discutir uma hora? Seja diretamente ou via Legislativo. Se o diálogo vai existir, é muito melhor organizar isso, sistematizar, para ter soluções melhores e mais consistentes.

P. – O sr. observa na política econômica um certo esgotamento da agenda de aumento de arrecadação?

RC – Calcula-se que o governo precisará de pelo menos R$ 50 bilhões de receitas para o Orçamento de 2025.

O que se esgarçou não foi a ideia de discutir aumento de arrecadação, alocação de recursos, corte de gastos. O que se esgarçou foi, exatamente, mandar coisas para que isso aconteça sem diálogo. Não há disposição de simplesmente aceitar qualquer coisa sem que haja uma discussão prévia muito mais densa.

P. – Mas em matéria tributária, não dá para o governo antecipar que vai ter uma medida de aumento da carga tributária. As empresas se movimentam para barrar. Foi o caso do aumento do IPI de cigarros…

RC – Não acho que seja assim. O que não pode anunciar é câmbio. Isso realmente não tem jeito, dizer ‘vou mexer no câmbio’. Mas as outras coisas, não há nenhum problema maior. Essa coisa ‘ah, as pessoas foram lá defender os seus interesses’, vão defender antes, durante e depois que as medidas forem exaradas.

P. – Dá para voltar com a MP sobre novas bases?

RC – Não me arrisco a dizer isso. É muito difícil para eu fazer uma afirmativa tão forte assim.

P. – O presidente Lula também estava meio afastado do diálogo com o setor produtivo? Ele não viu o alcance da MP?

RC – Não posso arriscar uma opinião sobre o que ele achou ou não achou. Mas é fundamental o presidente estar acompanhando permanentemente, não episodicamente.

O presidente da CNI em entrevista recente à Folha de S.Paulo alertou sobre o risco de retirada de benefícios para a indústria e já disse que faltava diálogo da equipe econômica com o setor produtivo.

O meu ponto de vista é que não falta necessariamente comunicação em termos quantitativos: ‘Ah, quantas vezes recebeu?’. É qualitativo. Tudo tem que ser avaliado e verificado, se os objetivos estão sendo alcançados. Agora, a ideia de fazer alguns ajustes fiscais para que determinados setores da economia, da indústria, do agro, tenham uma resposta mais rápida, é a base do que qualquer sociedade precisa.

P. – Qual é o problema, então?

RC – Como equilibrar. No setor farmacêutico, estamos precisando muito que a Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] funcione. Precisamos de um pouco mais de gente. Para ela funcionar a todo vapor, precisa mais. Vamos dizer que fosse um pouco mais de 100, 200 funcionários, mas também precisa de uns R$ 30 milhões a R$ 50 milhões para a estrutura de TI da Anvisa.

Qual o risco para o setor?

Fizemos a conta de quantos medicamentos entraram [em pedidos à Anvisa] e estão parados. Dá R$ 17 bilhões parados dentro da Anvisa.

P. – O sr. está dizendo que não basta cortar gastos porque pode estrangular órgãos como a Anvisa?Exatamente.

RC – Como avalia a proposta de mudar o piso da saúde e educação?

É muito complicado. Que tem que aprimorar a gestão, sim. Um país como o Brasil, com 210 milhões de pessoas, tem que ter uma ancoragem para a saúde e educação muito firmes. É muito difícil você dizer simplesmente que vai desvincular sem uma análise muito complexa, que tem que ser feita com muita calma. Agora, é possível trabalhar tentando achar a melhor solução, desde que você não rompa o princípio constitucional: todos os brasileiros têm direito a uma saúde pública universal e gratuita.

P. – Como viu a decisão do Banco Central de interromper a queda dos juros?

RC – Embora eu entenda o papel institucional do BC como guardião da meta de inflação, é muito frustrante para o setor produtivo o fim do ciclo de queda.

RAIO X

Reginaldo Arcuri, 69

É desde 2011 presidente-executivo do Grupo FarmaBrasil, associação da indústria farmacêutica de pesquisa e de capital nacional, que reúne as empresas Aché, Althaia, Apsen, Biolab, Biomm, Bionovis, Blanver, EMS, Eurofarma, Hebron, Hypera Farma, Libbs e ReceptaBio. Foi presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) de 2007 a 2011.

ADRIANA FERNANDES / Folhapress

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