PETROLINA, PE (FOLHAPRESS) – Um brinquedo de criança ganhou nova função em comunidades quilombolas do sertão de Pernambuco. Os estilingues, também chamados de baladeiras, antes usados para derrubar passarinhos, agora lançam sementes para reflorestar áreas degradadas da caatinga.
O projeto Recupera Caatinga, da ONG Chapada, mobilizou 270 famílias em atividades de conscientização ambiental, entre capacitações e vivências em grupos. A proposta aproveita o conhecimento ancestral dos povos quilombolas sobre as plantas nativas do bioma e articula ações de recaatingamento, envolvendo de crianças a idosos.
O agricultor Rafael de Souza Rodrigues, 25, diz que viu sua comunidade, Jatobá 2, mudar de atitude no cuidado com o meio ambiente.
“Os mais velhos tinham uma visão diferente da caatinga, antes só queriam tirar dela e não pensavam em repor. Faziam lenha e cerca com baraúna, árvore muito rara. Com o projeto, a gente conseguiu explicar a importância de preservar uma árvore centenária”.
O jovem, que cresceu na comunidade, ajudou indicando as áreas de plantio. Os estilingues foram usados como estratégia para alcançar locais de difícil acesso, como morros e territórios de pedras.
As bombas de sementes foram preparadas pelos próprios moradores nas oficinas. A técnica coloca sementes variadas em uma mistura de esterco e terra, fazendo uma bola coberta com argila. A crosta serve para proteger as sementes de animais e condições climáticas.
“A gente lançou [as bombas] na época do inverno, aproveitando o período de chuva. Parecia uma brincadeira. Se deixasse, passava o dia todo fazendo o lançamento. Estava ajudando o meio ambiente e ao mesmo tempo me divertindo”, conta Rodrigues.
Cabrobó, onde fica o território Jatobá 2, está no chamado polígono da desertificação da caatinga, região onde há um grande território sem cobertura de vegetação. O município, a 532 km do Recife, é cortado por um dos canais da transposição do rio São Francisco.
O engenheiro agrônomo Alexandre Pereira, 44, que coordenou o projeto, explica que a técnica de bombas, que tem origem japonesa, acelera o processo de plantação. Em um dia de plantio comum, são distribuídas cem mudas. No mesmo período, é possível lançar mil bombas.
Cada bola leva, em média, de 10 a 15 sementes de diferentes espécies. Em dois anos e quatro meses de atividades, foram lançadas 18.640 bombas de sementes. Esses arremessos atingem uma média de 90 hectares em processo de recuperação.
As três casas de sementes implantadas nas comunidades, junto a viveiros florestais, têm capacidade de produzir até 56 mil mudas no período das atividades. Também foram implantados bosques climáticos que ocupam mais de 73 hectares.
De acordo com o coordenador, ainda vai levar tempo para que a paisagem mude. “As mudas demoram a crescer, é uma característica das plantas daqui. Na nossa região, os períodos de chuva são curtos e irregulares. Mas, o pessoal já vê espécies remanescentes nascendo nessas áreas”.
Os outros dois territórios quilombolas participantes, Cupira e Inhanhum, ficam no município de Santa Maria da Boa Vista, a 611 km do Recife. Ambos são comunidades ribeirinhas e realizaram plantios em seis quilômetros de mata ciliar do rio São Francisco e do riacho Boqueirão, atuando na recuperação das margens assoreadas e desmatadas.
Em Cupira, o agricultor Samuel Victor Genovez dos Santos, 25, lembra que havia áreas que estavam bastante degradadas. “Antes do projeto, a gente não via mais certas árvores por aqui”.
Ele foi uma das crianças que corriam com o estilingue pendurado no pescoço, mas nunca imaginou que iria usar sua desenvoltura nos arremessos para ajudar o meio ambiente. Mesmo com o fim das oficinas, sua comunidade continua atuando no reflorestamento.
“É um aprendizado que veio para ficar na comunidade. Estamos regando os bosques para, em um outro momento, retomar o plantio. A gente já foi em alguns locais que lançamos (sementes) e vimos germinando. Agora, depende da chuva para crescer rápido”, diz.
ADRIANO ALVES / Folhapress