SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Comunidades tradicionais do Brasil estão presentes na COP28, conferência do clima da ONU que começou na quinta-feira (30), em Dubai, nos Emirados Árabes. Apesar disso, não terão protagonismo nas principais mesas do evento e reivindicam mais destaque no debate sobre as mudanças climáticas.
A participação ocorre em alguns painéis e em rodas de conversa, de forma presencial e também através de videoconferência e de depoimentos gravados e enviados para apresentação na cúpula.
Uma das palestrantes brasileiras será Selma Dealdina, vice-presidente do conselho do Fundo Casa Socioambiental. Ela já esteve na edição do ano passado, realizada no Egito. Desta vez, na COP28, vai falar sobre a importância das comunidades tradicionais na preservação do meio ambiente.
Ela participará de debates sobre gênero e mudanças climáticas e também sobre racismo e violência contra lideranças quilombolas. Além disso, estará em uma mesa com a vice-presidente da Colômbia, Francia Márquez, na qual serão expostos temas relacionados às comunidades negras rurais colombianas.
“Acho que não tem como continuar discutindo o meio ambiente, a justiça climática, a gestão territorial dos biomas sem a pauta racial. A gente precisa racializar o debate”, diz Selma, que também é membro da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas.
Nascida na comunidade do Sapê do Norte, no Espírito Santo, ela não nega a importância da cúpula, mas questiona qual mudança real pode ser visualizada como fruto das conferências do clima anteriores sem que a população que é mais atingida pelos problemas ambientais seja ouvida.
“Um trabalhador comum não tem condições de ir para a COP. Como vai pagar R$ 10 mil na passagem, R$ 40 mil no hotel? Mesmo a COP que será no Brasil [a COP30, em 2025, em Belém]. Isso não significa que a nossa participação será facilitada.”
Segundo Selma, é importante trazer o recorte de gênero e do papel das mulheres na conservação das florestas através da forma como lidam com a terra.
Um estudo do ISA (Instituto Socioambiental) publicado no ano passado mostra que povos indígenas e tradicionais possuem papel fundamental no cuidado das florestas do Brasil.
Segundo a análise, além da alta tecnologia social no manejo tradicional das áreas, a presença de indígenas amplia a governança sobre os territórios e promove contribuições socioambientais importantes para recuperar áreas degradadas.
O levantamento mostrou ainda que terras indígenas e as reservas extrativistas apresentaram mais proteção das florestas do que unidades de conservação de proteção integral ou APAs (áreas de proteção ambiental). Nos últimos 35 anos, as terras indígenas protegeram 20% do total de florestas nacionais.
João Leôncio vai abordar na COP28 justamente o papel dos povos indígenas na proteção ambiental. O vice-cacique da Terra Indígena Cachoeirinha, do povo Terena e Kinikinau, em Mato Grosso do Sul, participará do evento de forma virtual.
“Eu vou falar sobre a luta do nosso povo, sobre o nosso território, e quero levar a mensagem, uma denúncia sobre a demora na demarcação.”
A cúpula climática da ONU conta com representantes de quase 200 países, entre delegados, ministros e chefes de Estado. O Brasil tem a maior delegação da COP28: segundo registros oficiais da ONU contabilizados pela Folha, são 1.337 inscritos.
Nesse número, além de políticos dos níveis federais, estaduais e municipais, estão ainda assessores, técnicos, profissionais de mídia e os mais variados especialistas.
Para Bárbara Barbosa, coordenadora de justiça racial e de gênero da Oxfam Brasil, o tema ambiental está sendo discutido de forma invertida, pautado por empresas e governos.
“As pessoas que vivem nas florestas não têm sido consideradas. As comunidades protegem as matas, os rios. Já os latifúndios são responsáveis pelo colapso ambiental, climático”, diz.
Ela destaca ainda que as cadeias produtivas da economia poderiam ser mais sustentáveis se aprendessem com as tecnologias e formas de trabalhar desenvolvidas por essas comunidades.
“É super importante ver essas pessoas participando das discussões em alto nível [como a COP], mas há uma certa frustração por não estarem no centro do debate.”
No Brasil, além de quilombolas e indígenas, são exemplos de comunidades tradicionais extrativistas os ribeirinhos, castanheiros, caiçaras, pescadores artesanais, ciganos, povos de terreiro e de fundo e fecho de pasto.
Letícia Santiago de Moraes estará em Dubai durante a COP28. Ela é vice-presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas. Moradora da Ilha do Marajó, no Pará, lidera uma comitiva de jovens de comunidades tradicionais na visita aos Emirados Árabes.
“Vou participar de algumas mesas com a perspectiva das nossas comunidades e pensando na preparação para Belém [sede da COP30]”, conta.
Apesar da falta de protagonismo nos debates do evento de Dubai, ela ressalta a importância de fazer contato com comunidades de outros estados e países para melhorar a articulação em defesa dos direitos coletivos.
“É preciso pensar a emergência climática a partir das comunidades. São essas pessoas que estão em vulnerabilidade, que sofrem com as secas, queimadas. É preciso dialogar. Quem vive as grandes ameaças da exploração de madeira, do garimpo, do petróleo somos nós.”
A escolha dos Emirados Árabes como anfitriões levou a críticas nas últimas semanas, especialmente após documentos vazados indicarem que a presidência da cúpula estudou como fechar acordos sobre petróleo em conversas com países no âmbito do evento.
Na avaliação de Isadora Gran, coordenadora de justiça climática no Climate Reality Project Brasil, a COP atualmente já tem oferecido um pouco mais de oportunidades de participação para essas comunidades. Apesar disso, ainda existem muitas barreiras, como o idioma, os termos técnicos usados e a questão financeira.
“Essas pessoas não acessam onde essas discussões estão acontecendo, com que linguagem essas discussões estão acontecendo e quem participa de fato delas. [Existe um] recorte de classe social, de gênero, de raça que ainda limita o acesso nesses espaços.”
Já os impactos no clima, ressalta Isadora, as pessoas das comunidades percebem de perto, justamente por conta da relação que possuem com a natureza, da qual dependem para garantir seu modo de sobrevivência.
“É preciso o casamento dos saberes tradicionais e da ciência do clima, outra forma de enxergar a natureza.”
TAYGUARA RIBEIRO / Folhapress