RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Promover autoestima. Acolher. Preservar tradições. Essas são algumas das palavras que ajudam a explicar o que são os chamados quilombos culturais, espaços que têm surgido em grandes capitais brasileiras nos últimos anos.
Em maioria, não são quilombos formais, no aspecto jurídico ou histórico. Ou seja, não são comunidades formadas por ex-escravizados fugidos no período colonial ou por seus descendentes nas migrações pós-abolição.
Esses espaços nasceram em forma de casas de cultura com o intuito de se tornar uma alternativa para dar visibilidade a expressões artísticas ligadas à história da comunidade negra.
Com oficinas, shows e saraus, buscam ser um centro de entretenimento e letramento racial, além de ajudar na promoção da autoestima dessa parcela da população que sofre com o racismo cotidiano. Para isso, usam o conceito de aquilombamento, uma filosofia de apoio mútuo e união entre pessoas negras.
“Essa ideia de quilombo vem das pessoas. Eu reproduzo o que começaram a falar. Eu entendo também enquanto esse movimento contemporâneo de se aquilombar para um resgate da cultura negra e afrodiaspórica”, diz Fernando Luiz dos Santos, proprietário da Casa do Nando, no centro do Rio de Janeiro.
O produtor cultural conta que algumas pessoas que frequentam o espaço só descobriram que eram pretas quando saíram das bolhas familiares.
“O racismo tenta fazer a gente deixar de ser humano por causa da cor da pele. Esses espaços ajudam a gente a entender que não estamos sozinhos.”
O local tem diversos tipos de cursos como capoeira Angola, dança, percussão, discotecagem, tranças e culinária afrocarioca. Além disso, é palco de lançamentos de livros, rodas de conversa e de uma famosa roda de samba com o grupo Poeira Pura.
“Havia a necessidade de ter um espaço feito por pretos para pessoas pretas. Um espaço de acolhimento e cura. É essa a lógica daqui”, diz.
De acordo com Fernando Luiz, além de promover atividades culturais, ele também participa de iniciativas relacionadas aos egressos do sistema carcerário. O objetivo, conta, é dar oportunidades e mostrar que existe a possibilidade de construir uma outra história.
“Quilombo é onde a gente se une para resistir. A Casa do Nando é um quilombo. Palmares é um quilombo. As favelas são quilombos. As casas de candomblé são quilombos”, diz. “A gente transforma nossa dor em entretenimento. O samba vem nisso.”
O modelo de quilombo cultural pode ser encontrado em diversas outras capitais brasileiras. No Distrito Federal, a Casa Akotirene também promove oficinas, cursos, apresentações musicais e já ofereceu serviços como atendimento odontológico gratuito.
Além disso, o espaço tem um trabalho voltado para mulheres negras, com ações para saúde mental e combate à pobreza menstrual, como distribuição gratuita de absorventes.
No centro de Salvador está a Casa Preta. Há dez anos em atividade, o local se apresenta como um espaço cultural alternativo com apresentações musicais, teatro, dança, seminários e debates.
Já a capital paulista conta com ao menos três quilombos culturais. Localizado na região central de São Paulo, o Aparelha Luzia virou um ponto de encontro da juventude negra nas noites de sexta e sábado. Também no centro está a Casa Amarela, que além da cultura negra se propõe a representar aspectos da cultura indígena.
Já em Perus, extremo norte da cidade, fica o Quilombaque. O local conta com uma biblioteca e aulas de culinária afro.
“A gente tem a horta também com ervas. Trabalha a questão de bem-estar, para entender a saúde. É meio de limpeza do corpo, de cura. São diversos saberes envolvidos, resgatando todo o conhecimento ancestral da relação com a terra”, diz Cleiton Ferreira, mais conhecido como Fofão, um dos fundadores.
Entre as atividades culturais promovidas pelo espaço estão a congada, maracatu, bloco de rua e grupos de jongo. Além disso, jovens da região podem participar de oficinas circenses.
“Temos a trupe de palhaços que trabalha a questão da comicidade negra. Trazendo a importância do palhaço negro, que contribuiu bastante no desenvolvimento dessa arte circense. Essa história foi apagada”, afirma.
Segundo Fofão, a ideia de aquilombamento é essencial para ajudar a pensar o processo de desenvolvimento territorial da região de Perus. A comunidade começou seu trabalho em 2005 em busca de suprir a demanda por espaços culturais.
Um dos objetivos é trabalhar a identidade da juventude e ajudar no enfrentamento ao racismo. Fofão diz ainda que os bairros da região Perus, Jaraguá e Anhanguera formam um distrito com quase 500 mil pessoas, mas não têm espaços culturais.
“Acho que o quilombo traz esse resgate. Resistir, lutar e pensar outras possibilidades de vida. Acho que nesse intuito que a gente vem na construção da comunidade. São 18 anos de atividade, trabalhando manifestações artísticas, em especial a cultura negra.”
O projeto Quilombos do Brasil é uma parceria com a Fundação Ford
TAYGUARA RIBEIRO / Folhapress