SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Todo Tempo que Temos”, novo longa do cineasta irlandês John Crowley, aclamado por “Brooklyn” (2015), poderia servir para resgatar os chamados “filmes de doença” que formaram um filão de sucesso popular nos anos 1970.
Num resumo bem conciso do roteiro, mostra como o futuro de um jovem casal é ameaçado quando a mulher descobre ter câncer. Mas tudo ganha um rumo inesperado. Ou, melhor, um formato inesperado.
Andrew Garfield, de “O Espetacular Homem-Aranha” (2012) e “Até o Último Homem” (2016), contracena com Florence Pugh, atriz em alta depois dos recentes “Oppenheimer” e “Duna: Parte 2”. Eles aceitaram levar a história protagonizada por Tobias e Almut, exibida num redemoinho temporal.
Tudo é editado em cenas claramente desconectadas. O cabelo de Almut cresce e encurta. Em uma cena, eles estão numa casa; na sequência, parecem morar em outro lugar. Falam sobre talvez começar um namoro, para em seguida serem mostrados conversando com uma menina que aparentemente é filha do casal.
Em entrevista, Crowley defende que a proposta é o espectador ter realmente uma participação ativa diante do que está vendo.
“Creio que nos primeiros dez minutos, ou um pouco mais, quem assiste pode ter alguma dificuldade, mas com o passar do tempo você assimila o formato, então as conexões começam a ficar mais tranquilas. O espectador é convidado a acompanhar criativamente o filme, a montar sua própria linha do tempo nessas idas e vindas.”
Muita gente pode pensar que o vai-e-vem do filme foi trabalhado na mesa de edição. Na verdade, a proposta de saltar de um período de tempo a outro de forma aparentemente aleatória já constava do roteiro escrito por Nick Payne, revela o diretor. “A ideia estava lá desde o começo. Sempre foi uma questão de desenvolver um formato diferente para esse conteúdo.”
Segundo Crowley, o que iria acontecer com o casal foi pensado de uma forma linear. Mas aí o roteiro foi construído já contemplando as idas e vindas no tempo. “Foi como quebrar alguma coisa e juntar de novo os pedaços. O que importava era contar as várias faces do relacionamento dos dois, pensando uma cena de cada vez. Mesmo que isso não significasse uma estrutura temporal fácil para quem assiste.”
O diretor refuta a ideia de que montar um filme dessa maneira seja um desafio excepcional. “Creio que ficou até mais fácil. A ideia nunca foi confundir. É preciso entender que contar a história de um casamento abrange muito tempo. Desenvolver isso em ordem linear exige muita informação para conectar todas as etapas. As quebras premeditadas foram boas para cortarmos trechos que achamos desnecessários.”
A ideia inicial de que “Todo Tempo que Temos” poderia ser uma comédia romântica dura muito pouco. Não demora a aparecer a primeira cena que aponta para o câncer diagnosticado em Almut. O filme segue numa gangorra de sequências leves e pesadas. Assim, foge do habitual dessas histórias, nas quais o casal é mostrado inicialmente numa relação idílica, que depois é devastada pela chegada sombria da doença.
“Sim, evitamos isso”, concorda Crowley. “Mas não sei se torna tudo mais suave. Sobre equilibrar coisas leves e coisas pesadas, acho que a vida é assim. Se uma cena tem humor foi escrita com humor, ela cabe em qualquer um desses lados, se é que podemos chamar assim.”
Humor mesmo numa história que sinaliza a chance de a personagem principal morrer? “Bem, talvez seja meu lado irlandês. Nós falamos muito sobre a morte, mas para mim é mais uma questão de mostrar como a brevidade é absurda em face de tantas questões existenciais.”
“Quero personagens críveis”, prossegue o diretor. “O humor humaniza os personagens. Na minha vida, pelo menos, situações engraçadas às vezes surgem nos momentos mais difíceis.”
O diretor volta a trabalhar com Andrew Garfield 14 anos depois de “Rapaz A”, elogiado drama sobre um jovem, Jack, solto depois de cumprir anos de prisão por um crime violento cometido quando ele era criança. Para “Todo Tempo que Temos”, Garfield foi a primeira escolha do cineasta para o papel de Tobias.
A química entre Garfield e Florence Pugh foi maior do que a esperada. “Eles me surpreenderam e me agradaram muito. Nunca tinham trabalhado juntos, então você não sabe como isso vai funcionar até começar a rodar.” Para Crowley, além de serem atores talentosos, os dois têm o que ele chama de “ambição criativa”.
“Eles querem aprender, entender tudo”, avalia o diretor, que destaca como a convivência longe do set colaborou para que o trabalho fosse desenvolvido. “Facilitou muito uma coisa evidente: eles não se conheciam e se tornaram amigos rapidamente, e isso é sempre muito importante quando você precisa gravar muitas cenas pesadas.”
THALES MENEZES / Folhapress