SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O maior e mais importante grupo de rap do Brasil fez seu primeiro show no Rock in Rio no ano passado. Foi um dia marcante. O quarteto, avesso ao mainstream, subiu ao palco do maior festival de música do país, e levou consigo tudo o que representa.
Os Racionais apareceram no palco do evento, dos mesmos realizadores do The Town, saindo da projeção de um metrô de São Paulo. Era uma lembrança da relação intrínseca do grupo com a periferia da maior metrópole do país, imortal nos versos de Mano Brown, Edi Rock e Ice Blue, além das picapes de KL Jay.
É de se imaginar que o grupo cause ainda mais comoção no The Town. Há também uma camada de ineditismo na apresentação a presença da Orquestra Sinfônica Heliópolis, a primeira do mundo a surgir de uma favela.
Trata-se de uma conexão de forte teor social, entre expressões musicais díspares, mas produzidas na periferia, além de um choque estético, com a instrumentação erudita encorpando os samples e batidas eletrônicas do rap.
Mais do que a celebração dos Racionais, o show é também um festejo do próprio hip-hop, uma expressão cultural que completa 50 anos neste mês de agosto. No Brasil, a história do rap se confunde com a do quarteto, que não foi o primeiro, mas o mais determinante para a propagação do estilo no país.
Cerca de 35 anos depois de seu surgimento, é praticamente impossível calcular a influência dos Racionais seja no debate sobre racismo e desigualdade social, seja na música feita no país. Para KL Jay, o DJ do quarteto, isso se explica por uma soma de características, entre elas o fato de a banda ser “a voz de quem nunca teve voz”.
“É muito vivo até hoje. Quase atemporal”, diz ele. “A música é muito boa, agressiva e bem-feita. Aí tem a atitude, as letras inteligentes, a postura. E falar não. Perdemos dinheiro, mas ficamos grandiosos.”
Longe dos principais canais de TV e de rádio, os Racionais construíram a carreira de maneira independente, com a própria gravadora. Nada disso impediu os “quatro pretos mais perigosos do Brasil” de ter sua música ouvida no país todo. “A gente tem a rua. O termômetro é a rua. O hip-hop é a rua”, diz KL Jay.
O repertório deve concentrar os maiores sucessos dos Racionais, a maioria deles lançados entre o fim dos anos 1990 e o começo da década seguinte. Entre eles, “Capítulo 4, Versículo 3” e “Diário de um Detento”, do clássico “Sobrevivendo no Inferno”, de 1997, além das duas partes de “Vida Loka”, “Negro Drama” e “Da Ponte pra Cá”.
“Sobrevivendo no Inferno”, que teve sua poesia lançada em livro e virou obra obrigatória de vestibular em São Paulo, marcou um momento de ascensão do quarteto. Mas foi com o disco seguinte, duplo, com mais de 20 faixas, que o grupo cravou seu nome entre os maiores da música brasileira.
O show ainda deve ter espaço para singles como “Mil Faces de um Homem Leal”, homenagem ao líder comunista Carlos Marighella, e “That’s my Way”, música solo de Edi Rock já incorporada às apresentações do grupo.
Assim como foi no Rock in Rio, a apresentação deve ter teor performático e até cinematográfico, com o uso do telão. Será interessante observar no palco como o grupo vai retratar a zona sul paulistana, berço de Mano Brown, presente nos versos das músicas do grupo e exatamente onde acontece o The Town.
LUCAS BRÊDA / Folhapress