Racismo não é bullying, ele desumaniza a criança, afirma educadora

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A escola é o espaço onde a maioria das crianças pretas e pardas sofrem os primeiros episódios de racismo, deixando marcas que vão acompanhá-las durante toda a trajetória educacional e de vida.

“O racismo tira a condição de humanidade, e a escola não pode legitimar isso”, diz a pedagoga Benilda Brito. Para ela, agressões racistas não podem ser tratadas como casos de bullying.

“Ambos são violência, mas, enquanto o bullying descaracteriza, o racismo desumaniza. Por isso, eles chamam a gente de macaco, de bicho, de gorila, de urubu, de galinha, porque tira o sentimento da criança, tira qualquer possibilidade de sonhos, de afirmação de identidade, de desejo.”Para especialistas em relações étnico-raciais, o combate ao racismo dentro do ambiente escolar precisa envolver toda a comunidade, alunos, funcionários e pais. Elas afirmam que todos, independentemente da cor, devem entender a importância de uma educação antirracista.

“A gente precisa superar essa ideia de que racismo é um problema de negro, que os negros têm que lutar para não sofrer racismo. Pensando assim, escolas com a maioria de alunos brancos vão achar que não precisam fazer nada, quando são os alunos brancos que precisam ser reeducados”, diz a educadora Edneia Gonçalves, coordenadora da ONG Ação Educativa.

No último dia 22, uma filha da atriz Samara Felippo foi vítima de racismo no colégio Vera Cruz, na zona oeste de São Paulo. O caso ganhou repercussão por ter ocorrido em uma das escolas privadas mais tradicionais da capital e também por ter sido uma unidade em que os pais se mobilizaram nos últimos anos para que fosse implementado um projeto de educação antirracista.

A direção do Vera Cruz decidiu que não iria expulsar as alunas autoras das ofensas racistas. Optou por aplicar uma punição a elas e definiu uma sequência de atividades para os alunos refletirem sobre racismo. Parte dos pais foram contrários à postura da escola, por defender que as meninas deveriam ter a matrícula cancelada por praticarem um crime.

Outro caso de grande repercussão ocorreu em Brasília no início de abril, quando alunos da escola Franciscana Nossa Senhora de Fátima foram hostilizados com xingamentos racistas por estudantes do Colégio Galois, durante uma partida de futebol. O Galois decidiu expulsar parte dos alunos identificados como autores das ofensas.

“Eu sou contrária a ideia de que expulsar o aluno resolve o problema. Por que, na verdade, você está só empurrando o problema para outra escola. A gente tem que construir nas escolas uma comunidade de aprendizagem, porque é nela que vamos desconstruir a base de sustentação dos novos racistas”, diz Gonçalves.

Já para a historiadora Silvane Silva, que trabalha com formação de professores, cada caso deve ser tratado de acordo com a sua gravidade. “Até porque a criança agredida não precisa continuar convivendo com o agressor. Mas todos precisam estar cientes de que a responsabilidade de combater o racismo é tanto das famílias quanto das escolas. Os pais não podem se ausentar e precisam ser responsabilizados pelas atitudes de seus filhos”, afirma.

As educadoras defendem que os alunos precisam ter claro que o racismo não será tolerado e agir em qualquer manifestação discriminatória. Além disso, afirmam que alunos e pais devem estar cientes de que podem ser responsabilizados criminalmente, na Justiça, pelas ofensas e agressões.

Episódios de racismo dentro da escola passaram a ter maior repercussão após o fortalecimento de políticas defendidas e criadas após mobilização do movimento negro, como a lei de 2003 sobre a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana.

Segundo as especialistas, em razão do maior controle e da maior presença de alunos negros, as escolas públicas se adequaram mais rapidamente à lei. Enquanto isso, colégios privados demoraram mais para incluir o tema nos currículos e, consequentemente, na formação de seus estudantes.

“Apesar de a lei ser também para a rede particular, nessas escolas os passos são bem mais lentos. Elas chegaram mais tarde nesse debate e muitas delas só chegaram após a cobrança de alguns pais, sejam famílias negras ou famílias brancas que entendem ser importante se engajar no enfrentamento ao racismo”, diz Silva.

Para as educadoras consultadas, cumprir as leis curriculares, com a inclusão dos conteúdos sobre a história e cultura afro-brasileira e africana, é importante para que os alunos entendam a gravidade das ofensas. Quanto mais o assunto estiver presente nas salas de aula, argumentam, com mais facilidade serão detectados os casos de racismo e decididos os encaminhamentos a serem dados pelos educadores.

“Se as escolas continuarem contando a história da perspectiva eurocêntrica, como sempre ocorreu, vão perpetuar à banalização da escravidão no Brasil, da violência contra o povo africano. Com isso, qualquer criança negra tem vergonha da sua negritude porque o racismo continua sendo banalizado pela escola”, afirma Brito.

Diante da repercussão desses casos, o Ministério da Educação, comandado pelo petista Camilo Santana, anunciou nesta quinta-feira (2) que vai desenvolver um protocolo de prevenção e resposta ao racismo nas escolas.

Segundo o MEC, o protocolo deverá ser seguido por todas as instituições de ensino do país e faz parte da Política Nacional de Educação para as Relações Étnico-Raciais, que está marcada para ser apresentada pelo governo Lula no próximo dia 14.

Além do protocolo, a política também vai fazer um monitoramento da implementação da lei que determinou a inclusão obrigatória do ensino de história e cultura afro-brasileira em todas as etapas da educação básica.

ISABELA PALHARES / Folhapress

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