Rafael Nadal se aposenta do tênis e chega, enfim, ao mundo dos mortais

BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – “Não consigo mais ser competitivo o suficiente para jogar no dia a dia do jeito que eu preciso. Para estar no mais alto nível. Não faz sentido continuar sabendo que não vou chegar lá, sabendo que meu corpo não me dá essa possibilidade.”

Rafael Nadal, 38, chegou ao mundo dos mortais, aquele em que o corpo de maneira incômoda começa a dar mais limites do que prazeres. Nesta terça-feira (19), em Málaga, seus 85 kg distribuídos por uma quase pirâmide invertida, excessivamente forte para o figurino do atual tênis profissional, insistiram na falha. Dois sets perdidos para Botic van de Zandschulp, 80º do mundo, pela Copa Davis.

A derrota em si não definiu o fim da linha para Nadal. A aposentadoria foi selada pela eliminação do time da Espanha para a Holanda na Copa Davis por 2 a 1. Carlos Alcaraz venceu sua partida de simples, mas perdeu na sequência nas duplas, definindo o fim da participação espanhola no torneio –e da carreira profissional de Nadal, que já havia anunciado que esse seria seu derradeiro torneio.

“Se eu estivesse na arquibancada, estaria torcendo por ele também”, afirmou o holandês, seis centímetros mais alto do que o espanhol e com US$ 100 milhões a menos na conta de premiações. Entra para a história como o último algoz do “Toro Miúra”, apelido que virou logomarca. Um feito, já que a lista dos que superaram o bicho é pequena. O jornal El País achou por bem publicar um documentário pela perspectiva inversa, “Yo perdí contra Nadal”.

Muita gente perdeu, notadamente em Roland Garros. Nadal venceu 112 dos 115 jogos de Grand Slam que disputou no saibro francês. Sua verdadeira partida de aposentadoria foi lá, em julho passado, outro 2 a 0, diante de Novak Djokovic. Lotada, a quadra Philippe Chatrier torceu muito por sua maior estrela, mas seu corpo não respondeu aos apelos.

“Todos os dias vocês querem me aposentar”, brincou Nadal na entrevista após o aguardado duelo. Djokovic, focado em um inédito ouro olímpico que conquistaria dias depois, não resistiu ao tom épico: “Construímos a maior rivalidade do esporte. Ninguém se enfrentou 60 vezes como nós. Isso já fala por si”. O placar apertado também, 31 a 29.

Enfrentaram-se mais uma vez, em um torneio caça-níquel em Riad, no mês passado. Não conta.

O que conta é que Nadal, 22 Grands Slams, Djokovic, 24, e Roger Federer, 20, são os maiores nomes da mais competitiva era do tênis mundial. Talvez algum especialista chegue a outra conclusão vasculhando os números, mas essa é a impressão que resta a uma geração que chora com a aposentadoria de Nadal, como chorou com ele e com Federer no adeus do suíço em 2022.

Nadal foi o mais jovem tenista a conquistar os quatro grandes torneios. O segundo mais jovem, depois de Andre Agassi, a alcançar o Golden Slam, os quatro Majors em uma mesma temporada. É o único a vencer em simples ao menos um dos Abertos por dez anos seguidos. Ainda encontrou tempo para ganhar dois ouros olímpicos e quatro Copas Davis. A última vez que saiu de quadra derrotado no torneio de países foi na estreia, em 2004. Entre o tombo do novato e o do quase aposentado, 29 vitórias consecutivas. “Não me escalaria para qualquer outro confronto”, brincou de novo Nadal, dessa vez após a segunda derrota na competição. Sublinhando com naturalidade o fato de ter disputado seu último confronto como profissional.

“Você me fez repensar meu jogo”, escreveu Federer, horas antes da despedida, imaginando acertadamente que o corpo de seu melhor rival não daria conta. Lembrou também do garoto com uma exótica camisa sem mangas, “bíceps à mostra”, que o derrubou em Miami pouco depois do suíço se tornar o primeiro do mundo em 2024.

“Estávamos no começo da nossa jornada, uma que percorremos juntos.” Não foram apenas os dois nessa trilha –ou os três, é preciso incluir Djokovic. A geração ou, pela longevidade dos protagonistas, as gerações que os acompanharam tiveram o privilégio de percorrer junto o caminho não de um, mas de três dos melhores da história. Ao mesmo tempo.

Bem-vindo, Nadal, ao mundo dos mortais. Aqui também todo mundo ajeita a cueca sem perceber na frente dos outros, tem tiques esquisitos, chora e acha que não pode falhar. Você se acostuma.

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE / Folhapress

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