SÃO PAULO, SP, E BOGOTÁ, COLÔMBIA (FOLHAPRESS) – Pedir uma refeição que não seja fast food ou fazer uma compra de supermercado e recebê-la em menos de dez minutos é uma realidade em Bogotá, na Colômbia, onde o aplicativo Rappi nasceu, há nove anos.
Chamada de turbo, esse tipo de entrega disponível desde 2021 tem sido a aposta da empresa para crescer no segmento de delivery, especialmente no mercado brasileiro, onde concorre com o Ifood, detentor de mais de 80% do mercado.
O foco no Brasil é a entrega ultrarrápida de itens de supermercado, diferencial no país.
A meta é dobrar o total de itens de supermercados oferecidos em dark stores brasileiras centros de distribuição em áreas urbanas para o acesso rápido de aplicativos, de 2.500 para cerca de 5.000 até o final deste ano, expandir o número de unidades e localidades, e diversificar produtos.
“Até dezembro, existirão lojas em São Paulo com 5.000 SKUs [stock keeping unit; em tradução livre: unidade de manutenção de estoque], todos ainda voltados para perecíveis e não perecíveis. Em algum momento do ano que vem, a gente tem como ideia entrar em eletrônicos”, afirma Felipe Criniti, CEO do Rappi no Brasil.
Na Colômbia, a parceria com restaurantes e a criação de dark stores próprias ainda em 2015, quando o Rappi foi fundado, é o segredo do sucesso das entregas rápidas. Hoje, os colombianos recebem seus pedidos entre nove e 11 minutos, sendo que 95% chegam em até 15 minutos.
Lá, o serviço de restaurantes é mais forte. No Brasil, o foco é itens de supermercado. O tempo médio de entrega de um pedido no Rappi Turbo brasileiro é de oito minutos.
A empresa enfrenta regulação em sete dos noves países da América Latina onde opera Colômbia, Brasil, México, Argentina, Peru, Equador e Uruguai, mas quer legalizar a situação o quanto antes para crescer mais. No Chile, lei já foi aprovada, e na Costa Rica não há projeto.
A expansão inclui a abertura de uma IPO (oferta pública de ações, na sigla em inglês) na Bolsa de Valores de Nova Iorque e novas operações na América Central.
“A ideia é que, como empresa, em 12 meses estaremos prontos para sair com todos os processos de auditoria. Não sabemos se o mercado estará pronto em um ano, então pode demorar mais. Temos paciência, não temos pressa porque já somos rentáveis”, afirmou Simón Borrero, CEO e cofundador do Rappi, em entrevista na Colômbia.
Martín Martorelli, chefe da política global do Rappi, diz que a expectativa é que a regulamentação dos apps no Brasil volte a ser debatida em novembro com o fim das eleições.
Embora o setor de delivery tenha ficado de fora do projeto enviado pelo governo ao Congresso, que contempla só motoristas de transporte de passageiros, a empresa acredita que leis específicas para a atividade podem ajudar a crescer mais.
“A gente está fazendo todos os esforços para ficar dentro do tratamento do Congresso. Por quê? Porque quando você tem os acordos fundamentais que a gente tem é o momento para fazer a discussão sair desse plano meio teórico e ir para um plano concreto”, disse Martorelli à reportagem na Colômbia.
DEFENSORIA DO ENTREGADOR E REGULAÇÃO
O projeto de regulação dos aplicativos avança no Congresso da Colômbia, governada por Gustavo Petro, primeiro presidente de esquerda da história do país. Lá, a empresa já obteve uma vitória.
Inicialmente, a previsão era de que a empresa teria que contratar uma parte dos entregadores, chamados de “repartidores” ou “Rappitenderos”, como empregados e outra como autônomos, mas o Rappi criou uma defensoria para resolver conflitos, e isso pesou para que a opção de emprego formal fosse retirada do projeto.
A defensoria do entregador é para resolver conflitos com os trabalhadores. Atende cerca de 2.000 por mês e 30% dos conflitos são resolvidos a favor deles. Há cerca de 70 mil entregadores cadastrados no país.
“Fizemos uma pesquisa, que demonstrou que [os entregadores] aprovavam o Rappi, mas não pensavam tão bem sobre a empresa. Reclamavam sobre relações humanas, que não tinha vínculo emocional”, afirma Matias Laks, gerente geral do Rappi na Colômbia.
O modelo já funciona na Argentina e no México e caminha para ser implantado no Chile. Há planos para implantação no Brasil, porém sem data.
A defensoria, no entanto, não atende a todas as expectativas dos entregadores, que reclamam de levar a culpa da maioria das falhas. “Não estou mal, porém não estou bem. A defensoria também faz parte do Rappi”, diz o entregador Adolfo Espinosa, 31, há um ano e meio trabalhando com o aplicativo.
Na Argentina, um acordo com o governo fez com que lei para regularizar a categoria ficasse em segundo plano. No México, uma reforma trabalhista maior deve incluir o trabalho por aplicativo. No Uruguai, o projeto de lei está em fase inicial.
No Brasil, o assunto está parado, mas o Rappi voltou a negociar com o governo e espera ser incluído no projeto dos motoristas. Martorelli diz entender as dificuldades. “É um segmento novo. É um tipo de trabalho que não existia”, diz.
DIFERENÇAS DE OPERAÇÃO NO BRASIL E NA COLÔMBIA
O mercado brasileiro é o terceiro mais rentável da fintech, que foi criada em uma garagem de Bogotá a partir da ideia de três amigos de oferecer um serviço de entrega rápida para driblar o trânsito caótico da cidade. Perde apenas para a própria Colômbia e o México.
A inspiração atual é em aplicativos como o Zepto, da Índia, criado na pandemia já com foco nas entregas ultrarrápidas e que hoje fatura bilhões. Nos países da América Latina onde opera, a concorrência com o Rappi é praticamente nula. No Brasil, porém, o cenário é diferente.
Na Colômbia, o app impera em cidades como Bogotá, Medellin e Barranquilla, focado em parcerias com restaurantes e em construção e ampliação de dark stores.
Lá, os restaurantes já nascem inspirados na ideia de oferecer refeições que cheguem à casa do cliente em até de 10 ou 15 minutos, como o Bacu, da chef Stephanie Gómez Cardoso.
“Essa é uma forma até de conseguir oferecer pratos que, se chegassem em mais tempo, não estariam tão saborosos”, diz Stephanie, que tem no cardápio purês, carnes, saladas e sobremesas.
Em Barranquilla, o sucesso da loja Snack Fit Me se deu também com as entregas via Rappi. A empresa nasceu no apartamento do casal Silny Meza, 31, e José Gomez, 33, há dez anos. Hoje, produz e vende mais de 7 litros de parfait creme similar a um iogurte cremoso com frutas por dia, carro-chefe da marca, além de ter desenvolvido uma pizza integral que fica pronta em cinco minutos.
Em Bogotá, as operações nas dark stores de entrega ultrarrápida de itens de supermercados impressionam. O pedido fica pronto em tempos que vão de um a dois minutos. A organização e a disposição dos itens, além de um estoque focado no que os clientes mais pedem, é o segredo da agilidade.
Mas é o uso da tecnologia que permite atender em tão pouco tempo. Com inteligência artificial, a empresa mapeia as ruas ao redor de onde foi feito o pedido, a disponibilidade de entregadores, o local onde o cliente mora e usa um “truque” para cumprir o que promete: um contador que começa a rodar assim que o pedido está sendo preparado.
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A repórter viajou para a Colômbia a convite do Rappi
CRISTIANE GERCINA / Folhapress