Raquel volta a jogar e busca 3ª Olimpíada após tratar câncer e retirar mama

SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Com duas Olimpíadas no currículo, uma delas como capitã da seleção brasileira feminina de rúgbi, Raquel Kochhann sempre teve como um dos pontos fortes o tackle alto. Ia de peito aberto ao encontro da atacante adversária, na tentativa de contê-la. Agora, a catarinense de 31 anos está tendo que adaptar a técnica, em busca de uma vaga em Paris-2024.

Nos últimos 20 meses, além de passar por uma delicada cirurgia no joelho, foi submetida a seis sessões de quimioterapia para tratar um câncer no esterno, o osso que fica bem no meio do peito. Retirou os dois seios, por precaução, e na volta ao esporte está tendo que adaptar sua forma de jogar, para que esporte não afete sua segurança.

“Minha mãe teve câncer de mama, então, por precaução, pelo histórico, a gente optou por fazer a mastectomia bilateral. Eu tinha bastante peito, e uma habilidade muito boa para o tackle. Agora, sem o seio, faz bastante diferença na parte técnica. Muito provavelmente eu precise diminuir a altura, para não deixar o peito exposto toda hora. Vou ter que me esforçar para continuar sendo determinante”, avalia.

Por precaução, Raquel tem treinado e jogado com uma proteção de EVA no tórax, que serve como um amortecedor em choques mais fortes. “Quando a gente tem qualquer pequena lesão, já usa esse material, que protege o impacto direto no osso. No meu caso, fica dentro do top, para ficar bem estável e não se movimentar quando tem contato.”

CÂNCER DESCOBERTO

Raquel observou um caroço na mama pouco antes dos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021. Durante a competição, chegou a se consultar com a ginecologista do Comitê Olímpico do Brasil (COB), passou por exames, e descobriu que estava tudo bem até ali. Menos de um ano depois, em maio de 2022, o caroço já havia dobrado de tamanho, mas a temporada estava acabando, e ela adiou a cirurgia para a retirada.

“Naquele momento, não era urgente. Só que, um mês depois, rompi o ligamento cruzado (LCA) do joelho na última etapa do circuito mundial. Aproveitei que já ia precisar ser operada, e tirei o caroço também. Quando ele foi para biópsia, apresentou células cancerígenas. Fiz todos os exames e descobrimos que o câncer já estava em metástase no osso do esterno”, conta.

A jogadora, porém, procurou pensar pelo lado positivo. “Eu sempre opto por ver o lado bom das coisas, porque eu acredito que tudo tem um propósito. A lesão é horrível, nove meses de recuperação, não é positivo. Mas foi a oportunidade de olhar para mim, cuidar do meu corpo, e descobrir o câncer em fase inicial. Eu poderia demorar mais três anos para descobrir, e talvez fosse irreversível.”

Não era, e o tratamento, a partir de fevereiro deste ano, demonstrou isso. Foram seis sessões de quimioterapia e três de radioterapia, todas em São Paulo, cobertas pelo plano de saúde do COB. Raquel continuou treinando enquanto isso, ainda que em ritmo bem mais lento do que o previsto.

“Fazia a químio na quinta, ficava em casa até domingo, e a partir de segunda já ia para o treino, ao menos para manter a condição física. Meu condicionamento era um minuto caminhando, um minuto parada. Nada que pudesse baixar minha imunidade. Eu sabia do processo que estava vivendo. Ia ajudando as meninas na preparação, mas sabendo das limitações”.

ESPORTE SEMPRE POR PERTO

Raquel é parte da seleção permanente que treina em São Paulo, e não deixou o grupo durante o tratamento. Isso permitiu a ela ser acompanhada o tempo todo por uma comissão multidisciplinar: preparação física, fisioterapia, médicos, mastologista, ortopedista, nutricionista.

Com o câncer “neutralizado”, ou “nocauteado”, nas palavras dela, a jogadora foi liberada pela oncologista em agosto. No fim de outubro, três meses após o fim da químio, enfim veio a liberação para treinos de contato. Em dezembro, a primeira competição, o Brasil Sevens, que ela jogou pelo Charruas Rugby.

Depois de 19 meses sem atuar, Raquel percebeu que é outra atleta. “Quando eu era mais nova, eu cheguei a entrar na fila do SUS para retirar os seios. Tinha um volume muito grande, atrapalhava para correr, tinha que usar top apertado, no jogo eu usava dois tops. Eu agora tô mais ágil e mais rápida. Também porque perdi peso e ganhei massa muscular. Meus testes de velocidade e agilidade são melhores agora do que em qualquer fase da minha carreira. Não só pelo seio, mas de todo o processo. Mudei alimentação, hábitos…”

E isso alterou também sua forma de jogar, como já percebeu no Brasil Sevens. Raquel sempre teve um bom chute, lançando a bola com os pés para uma companheira de time, mais rápida, furar a linha de defesa e pegá-la mais para frente. No torneio nacional, marcou cinco tries em um único dia porque, como era a mais rápida do time, passou a ser também ela a correr para receber a bola que ela mesma chutava.

“Para o circuito mundial, eu tenho uma velocidade mediana. Talvez na seleção eu continue chutando para alguém, mas eu chegaria mais rápido no apoio. E, na defesa, sendo mais ágil e mais rápida, o time consegue se conectar melhor”, explica.

FIM DE UM CICLO

Agora, a expectativa é por uma nova oportunidade na seleção. Depois de fechar o ano a 98%, Raquel vai abrir 2024 à disposição do técnico William Broderick. A World Series, o circuito mundial de sevens, tem mais seis etapas até as Olimpíadas: em Perth (Austrália), Vancouver (Canadá), Los Angeles (EUA), Hong Kong, Cingapura e Madri (Espanha).

“O que eu posso prometer com certeza é dar o meu melhor. Se vai ser suficiente para ser convocada ou não, vai depender do treinador ou das outras meninas. Ele foca muito em como nossas habilidades individuais somam ao coletivo. O grupo não tem ninguém com perfil igual ao meu, de chutar, mas vai depender do que o treinador vai querer para cada competição, e se minhas habilidades, meu diferencial, vão somar a esse plano.”

O objetivo é estar nos Jogos Olímpicos de Paris e encerrar um ciclo na seleção de rúgbi sevens. Aos 31 anos, Raquel não se imagina jogando sevens, uma modalidade mais dinâmica, até a próxima Olimpíada, e quer se dedicar, posteriormente, ao chamado XV, formato tradicional, e ainda incipiente no feminino na América do Sul —nenhum time daqui já jogou uma Copa do Mundo.

“A gente está com um crescimento bom do XV, quem sabe a gente até consiga uma vaga para a Copa do Mundo [em 2025]. O XV é mais estratégico, não é um jogo de tanto físico, e a experiência pode pesar mais. Mas seria também só até a Copa do Mundo”, afirma Raquel.

DEMÉTRIO VECCHIOLI / Folhapress

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