FOLHAPRESS – Os méritos de um espetáculo como “Realpolitik” se medem rapidamente, logo no fim da sessão, quando, na lenta caminhada em direção à saída, escuta-se o público já a debater o assunto da peça.
No lugar de comentários sobre a encenação, sobre o espaço não usual do espetáculo uma sala de reuniões em um edifício na avenida Faria Lima ou sobre a qualidade dos atores, era possível ouvir pessoas falando dos crimes da mineração no Brasil ou se questionando sobre os limites éticos da ação incendiária de um dos personagens.
A capacidade de provocar o raciocínio, de pensar na cabeça do público, é uma força do trabalho. Força conquistada, aqui, de um modo simples e objetivo.
Em um espaço quase vazio, sem refletores ou outros elementos teatrais, dois atores representam uma situação limite entre o CEO de uma grande mineradora responsável pela ruptura de uma barragem, que causou várias mortes, e um jornalista, ou ex-jornalista, prestes a realizar um ato terrorista exemplar contra aquela corporação.
O encontro tenso é o que dispara uma série de debates existencialistas sobre responsabilidade e alcance de ações individuais diante da “máquina do mundo”.
Seria o CEO da fictícia empresa um vilão cínico ou apenas uma engrenagem substituível de uma estrutura que o ultrapassa? Há culpados individuais no rompimento de uma barragem? Ou é uma tragédia gerada pela dinâmica selvagem intrínseca ao mundo corporativo? E o que pode uma pessoa inconformada fazer sozinha diante de tal sistema desumanizador?
Mas se a peça agita muito bem o pensamento, ela também se mantém presa numa contradição estrutural que limita o desenvolvimento reflexivo dos temas em toda sua complexidade.
As perguntas movimentadas pelos diálogos entre os dois personagens ensaiam debates sobre questões sociais do mundo atual, mas a estrutura dialogada da peça faz com que os assuntos muitas vezes se transformem apenas em um tipo de “contexto” para dilemas particulares, conflitos individuais ou para a manifestação de idiossincrasias específicas daquelas figuras.
Pode-se dizer que o espetáculo “Realpolitik” é um drama de confinamento, uma forma que paralisa o tempo exterior e obriga as personagens a dialogar num espaço isolado, como numa bola de vidro. Nas palavras de um importante crítico cultural dos anos 1960, o confinamento é “uma muralha contra a épica do mundo”.
Isso porque o que tende a ficar mesmo em evidência neste tubo de ensaio artificialmente controlado são os tumultos íntimos das personagens, as idas e vindas de suas indecisões particulares. Pouco a pouco, tal interiorização dos temas sociais vai diluindo os assuntos até que eles pareçam apenas um pano de fundo para uma situação dramática eletrizante envolvendo um terrorista e um empresário.
Ao mesmo tempo em que “Realpolitik” mobiliza, com notável competência artística, excelentes debates sobre os arranjos e desarranjos sociais do mundo em que vivemos, também há ali um tipo de trava estrutural, que impede a reflexão de ir além e de olhar mais a fundo, nos olhos, o mecanismo organizado de desumanidade que se tornou o capitalismo contemporâneo.
REALPOLITIK
– Avaliação Ótimo
– Quando Até 30 de junho. Sexta e sábado, às 20h; domingo, às 17h
– Onde Teatro B32 – Avenida Brigadeiro Faria Lima, 3732, São Paulo
– Elenco Augusto Zacchi e Pedro Osorio
– Direção Guilherme Ieme Garcia
PAULO BIO TOLEDO / Folhapress