SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “No serviço, eu ficava o tempo todo de pé e não conseguia descansar no dia de folga. Agora, sofro com dores”, diz a paulistana Edna Prazeres, 56, que trabalha há 17 anos em uma lanchonete na escala 6×1 (seis dias de trabalho e um de descanso semanal) e está afastada por questões de saúde.
Moradora da zona leste, ela pega dois ônibus para chegar ao trabalho. A jornada com dois dias de descanso é um sonho para a balconista. “Perdi aniversários de amigos, datas importantes com a família. Passar o Dia das Mães com as minhas filhas foi só uma vez e nunca mais.”
O debate sobre a escala 6×1 ganhou força com uma PEC (proposta de emenda constitucional) da deputada Erika Hilton (PSOL-SP). A proposta é a adoção de uma jornada de 36 horas semanais, dividida em quatro dias.
A redução da jornada de trabalho ganhou espaço em vários países, mas, no Brasil, ainda esbarra em questões como a dificuldade que o país tem em reduzir a informalidade e aumentar a produtividade de seus trabalhadores, de acordo com especialistas ouvidos pela reportagem.
“Já tivemos uma experiência de mudança de 48 para 44 horas na Constituição de 1988 que não foi positiva”, destaca Fernando de Holanda, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).
Segundo o pesquisador, apenas alterar a alocação das horas ao longo da semana pode funcionar, mas a redução de jornada, conforme está sendo discutida, é inviável. “E o principal problema é tornar obrigatório algo que empresas hoje já negociam caso a caso”.
Renan Pieri, professor de economia da FGV EAESP (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), ressalta que dos trabalhadores formais que trabalham mais de 36 horas semanais, 26% trabalham no comércio e 19% trabalham em atividades financeiras, imobiliárias, profissionais e administrativas.
“A maioria desses empregos está em pequenas e médias empresas com margem de lucro apertada. É uma política que pode parecer que vai beneficiar todos os trabalhadores, mas só vai abranger um grupo muito restrito, que são os trabalhadores de carteira assinada.”
No trimestre encerrado em setembro, a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua registrou que a taxa de informalidade foi de 38,8% da população ocupada (ou 40 milhões de trabalhadores informais) ante 38,6 % no trimestre encerrado em junho e 39,1 % no mesmo trimestre de 2023, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Ao mesmo tempo, o Brasil é um dos países do G20 com a maior média de horas semanais trabalhadas, segundo dados da OIT (Organização Internacional do Trabalho) acima de Japão, Coreia do Sul e Estados Unidos, por exemplo.
Para Jorge Soutomaior, professor da Faculdade de Direito da USP e ex-juiz titular na 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí, não só é viável como necessário adotar essa adaptação no mercado de trabalho brasileiro.
Segundo o ex-juiz, o limite de 44 horas semanais foi estabelecido em uma época com um padrão produtivo diferente e, mesmo na época, representou uma mudança modesta.
“Queremos realmente pessoas que vendem sua força de trabalho praticamente o dia inteiro, sem tempo para ler, escrever, estudar, participar de debates políticos e econômicos ou se envolver nas atividades de cuidado familiar?”, questiona.
A demanda por uma aproximar a jornada de trabalho no Brasil ainda compete, na visão dos analistas, com a produtividade do trabalhador brasileiro em comparação a seus pares internacionais.
Um relatório da OIT aponta que, no período de 2015 a 2023, a produtividade do trabalho no Brasil ficou praticamente estagnada (com alta de 0,1% ao ano).
Enquanto isso, países com uma média semanal de horas trabalhadas por pessoa menor que o Brasil tiveram ganhos de produtividade no mesmo período. No Canadá, o aumento foi de 0,4% ao ano; nos Estados Unidos, de 1% ao ano.
Para a organização, vários fatores estão na base do renitente baixo crescimento da produtividade no Brasil, incluindo regimes regulatórios, falta de investimento em infraestrutura e sistemas tributários anacrônicos.
Para Daniel Duque, especialista em mercado de trabalho do FGV Ibre, a produtividade do trabalho é um fator que não pode ser desconsiderado na discussão. “O Brasil tem uma carga horária até menor do que seria esperado, dado o seu nível de desenvolvimento e produtividade.”
Segundo ele, a mudança na escala poderia levar a uma redução do PIB (Produto Interno Bruto) entre 2% e 3,3% no caso de uma jornada de 40 horas semanais e de 6,8% a 8,1% para uma jornada de 36 horas semanais.
Pelo mais recente Ranking Mundial de Competitividade do IMD (Institute for Management Development), que além do PIB e da produtividade considera questões políticas e sociais, o Brasil ficou em 62º lugar (duas posições abaixo da lista anterior) entre 67 economias analisadas.
Houve melhora no desempenho econômico, mas queda em eficiência do governo e nos negócios. Singapura, Suíça e Dinamarca ocupam as melhores colocações. Na região, ficaram em posições acima Chile, México e Colômbia.
Hélio Zylberstajn, professor sênior da faculdade de economia da USP e coordenador do Salariômetro (Fipe), avalia que, para que a produtividade cresça são necessários investimentos em inovação tecnológica e qualificação da mão de obra.
“A redução da jornada por meio de uma PEC não aumentará a produtividade, por não alterar nem a tecnologia usada na produção e nem a qualificação dos trabalhadores”, avalia o professor.
“O impacto será imediato no custo do trabalho que, se for repassado aos preços, causará inflação e se não for absorvido pelas empresas, causará demissões. O caminho não é esse.”
Ele acrescenta que o setor informal é sempre de baixa produtividade e que o país deve se concentrar em crescer de forma sustentada para, entre outras coisas, absorver esses trabalhadores no setor formal.
DOUGLAS GAVRAS, GUSTAVO GONÇALVES E GUSTAVO SOARES / Folhapress