SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quanto levam os acionistas, União e Eletrobras, é o item que mais pesa na definição da tarifa de energia de Angra 3. A depender da mexida nos valores, o preço da energia pago pelos consumidores teria queda significativa. Poderia ir dos atuais R$ 663 pelo MWh (megawatt-hora) para R$ 596 ou R$ R$ 549, indo até R$ 251 ao longo dos 24 anos finais da operação da usina.
As simulações com múltiplas variações nos componentes da tarifa foram feitas pelo BNDES a pedido da Eletronuclear, controlador das usinas nucleares brasileiras.
O longo estudo realizado pelo BNDES sobre a viabilidade da usina de Angra 3 tem cerca de mil páginas, divididas em mais de 30 relatórios, que estão sob sigilo. Os dados embasam discussões sobre vantagens e desvantagens da conclusão do projeto.
Os cenários para a tarifa, a que a Folha de S.Paulo teve acesso, constam do relatório de número 12 do BNDES, com 88 páginas que detalham os diferentes componentes do custo da energia.
A decisão sobre o destino de Angra 3 cabe ao CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), órgão de assessoramento da presidência da República para a formulação de políticas públicas na área de energia. A reunião sobre o tema, com destaque para a fixação do valor da tarifa, está agendada para esta terça-feira (10).
Na quinta-feira (5), a Eletrobras divulgou fato relevante ao mercado detalhando que ainda negocia sua saída da Eletronuclear em troca do aumento no número de assentos da União no conselho da companhia. Nesse acordo, se comprometeria a buscar um novo investidor para Angra 3. Em nota, a AGU (Advocacia-Geral da União), que atua nas negociações, confirmou o que está na mesa de discussões.
Não existe consenso dentro do governo sobre o destino das obras. Uma ala considera o investimento elevado demais. Outra parcela defende que a retomada de Angra 3 incentivaria toda a cadeia de produção da energia nuclear, inclusive a exploração das reservas de urânio no Brasil, no momento em que há forte demanda global pelo insumo.
A Eletrobras e a União (via ENBPar), desde 2019, já aportaram, respectivamente, R$ 4,3 bilhões e R$ 3,5 bilhões. Pelo plano proposto, os acionistas fariam aportes adicionais de R$ 4,3 bilhões na proporção do capital votante, sendo de 64% da União e 36% da Eletrobras.
Também está prevista uma captação no mercado financeiro que pode chegar a R$ 30 bilhões, que vai exigir garantias dos acionistas, também na proporção do capital votante. O investimento previsto para retomada das obras é de R$ 23 bilhões, e o restante seria usado para rolar a dívida atual.
O custo para interromper a obra foi estimado em praticamente o mesmo valor, R$ 21 bilhões, sendo que R$ 13,7 bilhões seriam para cobrir saldo das dívidas vigentes, multas contratuais e desmobilização da obra, dentre outros custos.
Preço de energia é item sensível na retomada das obras de Angra 3. O tema foi alvo até de regulamentação. A atualização de premissas financeiras realizada pelo BNDES resultou no preço de R$ 662,67 pelo MWh. Entre os fatores avaliados, que pesam no preço final da energia, está o risco de variação cambial, por exemplo. Parte do urânio é importado e parcela dos recursos para o projeto podem vir de captações externas.
Nos cenários, o BNDES buscou formas para reduzir a tarifa, considerando três grandes conjuntos de custos: despesas operacionais e tributárias, o serviço das dívidas e a métrica que trata do custo de capital do acionista. Basicamente, são simulações, cujas alternativas podem ou não serem adotadas.
Foi avaliado, por exemplo, o efeito de novas medidas, algumas ainda em análise, que dependem de definição no governo, negociação com agentes financeiros e inclusive aprovação no Congresso. Entre elas estão a extensão do Renuclear (Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento de Usinas Nucleares) e a proposta de capitalização de metade do saldo devedor das dívidas com BNDES e Caixa (veja lista abaixo).
As simulações do BNDES mostram o efeito isolado de cada item, bem como estratégias de combinação do conjunto de itens. Aliviar a tributação, por exemplo, é importante, mas o Renuclear, isoladamente, teria um efeito quase marginal.
O item de grande peso no resultado, de forma isolada ou combinada com outras medidas, é o custo de capital dos acionistas quanto União e Eletrobras, se permanecer no projeto, pretendem ter como retorno desse investimento. Duas variáveis pesam: a taxa de retorno em si, e o prazo em que a taxa de retorno é aplicada.
A lei de privatização da Eletrobras, determina o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de Angra 3. Ou seja, não pode dar prejuízo. Baseado nesse princípio, o CNPE, ainda no governo anterior, fixou que o custo de capital dos acionistas deve ser de 8,88%. Também definiu que a data base para a aplicação da taxa é 30 de junho de 2020 ou seja, só o dinheiro colocado a partir daí é remunerado.
O BNDES fez simulações reduzindo a taxa e também alterando o prazo já destacando um alerta. Se essas premissas efetivamente forem alteradas, podem gerar questionamentos por parte da Eletrobras ou de algum investidor que tenha participado da oferta de ações da companha.
As simulações indicam que haveria ganho para o consumidor de energia. Considerando que o retorno do acionista caísse de 8,88% para 7,60%, e a data de partida não fosse alterada, a tarifa ficaria em R$ 596 pelo MWh. Se a redução de custo de capital caísse um pouco mais, indo a 6% e a data fosse postergada em 18 meses, passando a valer em dezembro de 2021, a tarifa poderia ser escalonada. O custo do MWh seria de R$ 549 nos primeiros 16 anos de operação, caindo a R$ 251 nos anos seguintes.
A redução de retorno para os acionistas associada a outras medidas, produz outras opções. Taxa de 6%, prazo a partir de dezembro de 2021, associados a reduções tributárias e renegociação de dívidas poderiam levar a uma tarifa de R$ 444 ao longo de todo o período de operação, por exemplo, previsto para 40 anos.
A usina começou a ser construída na década de 1980, mas a obra foi interrompida por falta de recursos. Em 2009, o projeto foi retomado dentro do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e novamente interrompidas em 2015, agora, por denúncias de corrupção. Em 2019, foi incluída como prioridade no PPI (Programa de Parcerias para Investimentos), mas a empresa contratada não conseguia tocar o projeto e o contrato foi rescindido.
Para por o projeto de pé no PPI, a Eletronuclear contraiu dívidas, que continuou pagando, mesmo com a interrupção das obras em 2015. O saldo devedor é de R$ 6,4 bilhões, a maior parte com BNDES e Caixa.
Procurados pela reportagem, Eletrobras não comentou e o BNDES informou que cumpriu o contrato e a determinação legal de elaborar os estudos, apresentando o modelo econômico e os impactos da conclusão ou não da usina. Destacou ainda que cabe à Eletronuclear avaliar quais resultados do trabalho podem ser divulgados.
A Eletronuclear informou que é da responsabilidade do MME (Ministério de Minas e Energia) definir quais cenários apresentados serão levados ao CNPE.
Em nota à Folha de S.Paulo, a pasta destacou o papel do CNPE na definição dos termos para a conclusão de Angra 3 e explicou os trâmites.
“O contrato deverá conter o preço da energia, o qual resultará de estudo do BNDES”, diz o texto.
“O preço da energia de Angra 3 observará os princípios de modicidade tarifária e da razoabilidade, conforme modelagem econômico-financeira contratada pela Eletronuclear junto ao BNDES, bem como as análises contidas no relatório elaborado pela EPE [Empresa de Pesquisa Energética]. O tema está previsto para entrar na pauta da próxima reunião do CNPE, que será realizada neste mês de dezembro.”
ALEXA SALOMÃO / Folhapress