Reforma Tributária no 1º semestre foi grande surpresa positiva, diz economista-chefe do Citi

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Reforma Tributária aprovada na Câmara ainda no primeiro semestre foi a grande notícia para a economia brasileira neste ano, diz Leonardo Porto, economista-chefe do Citi no Brasil. “É uma belíssima reforma que pode ser o grande carro-chefe desse governo do ponto de vista de melhora de fundamentos.”

A aprovação vem em um momento em que o cenário já vinha se desanuviando, segundo Porto. O arcabouço, segundo ele, se não é tão austero quanto o teto de gastos, tampouco pode ser considerado irresponsável do ponto de vista fiscal.

O economista-chefe do Citi calcula que cerca de 30% a 40% da valorização do câmbio nos últimos meses se deve à redução das incertezas no quadro doméstico, com o restante da apreciação do real advinda de um ambiente global mais benigno do que se previa no final de 2022.

O economista-chefe também elogiou a atuação do BC na condução da política monetária e prevê um primeiro corte de 0,25 ponto percentual da Selic em agosto, com a taxa básica de juros em 11,75% em dezembro, chegando a 9% em meados de 2024.

PERGUNTA – Que avaliação o sr. faz sobre a pauta econômica do governo Lula no primeiro semestre?

LEONARDO PORTO – Toda vez que tem um governo novo é natural que o nível de incerteza seja maior, especialmente um governo que não foi reeleito.

Tem toda uma troca de ministério, um conhecimento de quem são os ministros, [dúvidas sobre] a disposição e a capacidade de o presidente de materializar o desejo dele em reformas, muito ruído.

Com esse governo não foi diferente, começou com muito ruído, de que a meta de inflação ia mudar, que poderia caminhar para um arcabouço do ponto de vista fiscal irresponsável… E o que a gente viu é que muitos desses ruídos não se materializaram.

O Conselho Monetário Nacional ratificou a não mudança de meta até 2025 e mantendo em 3% para 2026. O arcabouço fiscal evidentemente é mais frágil, ou menos austero do que era o teto de gastos, porque permite um crescimento da despesa em termos reais, mas está longe de ser um arcabouço fiscal que pode ser considerado irresponsável do ponto de vista fiscal.

O arcabouço depende ainda de uma série de coisas relevantes, como o levantamento de receitas extraordinárias para atingir a meta de superávit primário que está estabelecida. Mas a trajetória de gasto não é tão insustentável quanto muitos temiam.

P. – E tivemos mais recentemente a aprovação da Reforma Tributária na Câmara.

LP – Foi surpreendente a votação da Reforma Tributária, essa foi a grande surpresa, porque acho que não estava no radar, pelo menos no meu, que isso ia acontecer já no primeiro semestre.

É uma belíssima reforma que pode ser o grande carro-chefe desse governo do ponto de vista de melhora de fundamentos. É uma reforma que endereça os problemas estruturais do ponto de vista do sistema tributário extremamente complexo. Ou seja, é uma reforma que simplifica o sistema em várias dimensões.

É claro que tem as exceções dentro da nova reforma que foram colocadas, mas, mesmo, com essas diluições que foram feitas na Câmara, ela representa um passo muito importante e uma melhora muito grande em relação ao sistema de hoje.

P. – Quais implicações essa melhora traz para as empresas?

LP – Pelo sistema atual, as empresas necessitam de um volume de alocação de recursos brutal, de número de advogados, de contadores para poder estar em conformidade com as regras, o que deixa as empresas pesadas. É como se elas andassem com muito atrito para poder transformar o insumo em produto.

A Reforma Tributária é como se fosse um óleo que vai permitir com que a máquina possa se mover de forma mais fluida, torna a empresa mais leve, mais eficiente, mais competitiva.

Ao mesmo tempo, a complexidade do sistema tributário atual leva a uma série de litígios, interpretações distintas da legislação, são inseguranças jurídicas que travam as decisões de investimento das empresas que potencialmente a gente pode melhorar numa perspectiva de médio e longo prazo.

Tem ainda a dimensão da alocação de capital. Existem evidências de que o sistema tributário atual pune demais as empresas que são intensivas em capital, que, em geral, são aquelas mais produtivas. Na medida em que se muda esse sistema e torna essas distorções mais leves, você tende a alocar capital naqueles setores que são mais produtivos. Ou seja, melhora também a perspectiva de crescimento de médio e longo prazo.

Foi a grande notícia positiva nesse primeiro semestre.

P. – A pauta econômica em Brasília e a desaceleração da inflação permitem ao BC iniciar o corte de juros em agosto?

LP – Acho que sim, o nosso cenário é de um corte inicial de 0,25 ponto percentual em agosto, acelera para 0,50 ponto em setembro e novembro, depois para 0,75 ponto na reunião de dezembro e fecha o ano em 11 75%. E continua caindo ao longo do ano que vem até atingir o patamar de 9%.

P. – Qual a avaliação sobre a condução da política monetária pelo BC?

LP – Acho que cabe um elogio ao Banco Central, ao trabalho que ele tem feito. É um trabalho extremamente técnico, de disciplina e tenacidade, do ponto de vista de trazer essa inflação para baixo e ter subido [os juros] mesmo em uma eleição extremamente acirrada e polarizada, prevalecendo as decisões técnicas do Banco Central. Na reunião de agosto, a gente acha que vai aparecer o espaço, tecnicamente, para que possa cortar essa taxa de juros.

P. – Quais são as condições macroeconômicas necessárias em agosto para que o BC possa começar a cortar a Selic?

LP – Estamos vendo esse processo de apreciação do real em relação ao dólar desde março, de R$ 5,30 para R$ 4,80, em um ambiente onde o preço de commodities está de estável para queda. Isso é completamente incomum no Brasil. Geralmente quando as commodities estão em queda, o câmbio deprecia, mas o que a gente está vendo é um câmbio apreciando junto com as commodities em queda. É um componente muito forte deflacionário, não é à toa que estamos vendo o preço das commodities em reais caindo horrores.

Isso ajuda na inflação ao consumidor, especialmente na parte de alimentos, é só ver o que aconteceu com o IPCA. Como diz o presidente do Banco Central [Roberto Campos Neto], é uma questão do antibiótico fazer efeito. Está fazendo efeito.

P. – O avanço da pauta econômica já se refletiu em valorização nos preços dos ativos?

LP – Alguns investidores que acreditavam que os riscos poderiam se materializar depreciavam de certa forma o preço dos ativos. Na hora em que isso não se materializa, tende a melhorar [os preços no mercado], que são cerca de 30% a 40% da valorização do câmbio, que apreciou por conta de fatores domésticos.

P. – E o restante da valorização do real?

LP – Tivemos um ambiente global onde a disposição para a tomada de risco foi melhor do que se imaginava. Uma parte importante, cerca de 60%, 70% da apreciação do real desde meados de março, derivou de eventos globais.

Foi um ambiente global melhor do que se imaginava no começo do ano, especialmente a partir de abril, quando o risco de crise bancária foi sendo dirimido. Havia uma incerteza muito grande sobre o quanto o aperto monetário dos Estados Unidos poderia disparar uma nova crise financeira igual aconteceu em 2008, e o que a gente viu foi que aquilo ficou contido. Hoje o sistema financeiro global é muito mais resiliente.

Raio-X | Leonardo Porto, 47

Economista-chefe do Citi Brasil, Leonardo Porto lidera o departamento de pesquisa econômica do banco no país e integra a equipe de pesquisa Global/América Latina da instituição desde agosto de 2008. Antes de seu ingresso no Citi, foi coordenador da equipe de economistas da consultoria de macroeconomia AC Pastore & Associados, além de ter trabalhado no departamento de pesquisa econômica do Bradesco. É doutor e mestre em teoria econômica pela FEA/USP e bacharel em economia pela PUC-MG.

LUCAS BOMBANA / Folhapress

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