SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A reforma tributária em discussão no Congresso resolve divergências que representam pelo menos 95% do contencioso envolvendo os cinco principais impostos e contribuições sobre o consumo. É o que mostra um levantamento do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper.
De acordo com o trabalho, a maior parte das questões que geram disputas bilionárias em torno dos tributos que serão extintos não se aplica àqueles que serão criados com a reforma. Os novos tributos seguem o sistema adotado em mais de 170 países conhecido como IVA (Imposto sobre Valor Agregado).
Pela proposta atual, PIS/Cofins viram a chamada CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços). O IPI se torna um Imposto Seletivo. Haverá ainda o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), fusão de ICMS com ISS.
Um exemplo de mudança é o aproveitamento de créditos do imposto pago nos insumos, o que evita a tributação em cascata. Essa questão responde por 30% do valor das disputas mapeadas pelo Insper. Pela nova regra, todo tributo pago na etapa anterior pode ser descontado na seguinte. Hoje, há limitações que geram divergências entre fisco e empresas.
Os dois novos tributos também estão praticamente livres de incentivos fiscais, não entram um na base de cálculo do outro e são aplicados a praticamente todos os bens e serviços, temas que também geram disputa atualmente.
“Na sistemática da CBS e do IBS, a quase totalidade das discussões envolvendo os atuais tributos sobre o consumo deixariam de existir ou seriam reduzidas”, afirmam os pesquisadores Vanessa Canado (coordenadora), Breno Vasconcelos e Thais Romero Veiga Shingai.
Os processos relacionados aos cinco tributos atuais não serão extintos com a reforma, destaca o estudo, mas a maior parte dessas teses tratará de impostos que não existirão mais. “É um estoque que vai acabar e não vai se formar novamente”, afirma Canado.
Apenas 5% da herança desse contencioso poderia afetar a CBS e o IBS. Esse percentual se refere, basicamente, a processos nos quais não foi possível identificar a discussão por limitação de informações sobre o caso.
O trabalho “Impactos da Reforma dos Tributos sobre o Consumo no Contencioso Tributário de Companhias Brasileiras” foi realizado com informações de companhias de capital aberto que possuem processos em discussão na esfera administrativa ou no Judiciário.
De 751 companhias abertas analisadas, 232 (31% do total) divulgaram a existência de algum contencioso tributário relacionado a esses cinco tributos. Segundo o levantamento, 19% das empresas possuem alguma discussão de PIS/Cofins, e 17% discutem questões de ICMS. O ISS aparece com 8%, seguido pelo IPI (4% das companhias).
São 526 processos, no valor de R$ 120,7 bilhões, com base em informações das demonstrações contábeis de 2021. São reportados processos com perda classificada pela companhia como provável ou possível. PIS/Cofins e ICMS respondem cada um por cerca de 40% do valor.
“A gente está olhando para os maiores contribuintes do Brasil. É natural que as principais discussões estejam concentradas nessas empresas. Eliminar pelo menos 95% do contencioso sobre consumo dessas companhias já é uma justificativa suficiente para a gente reformar”, afirma Thais Romero Veiga Shingai.
“A gente acabou comprovando que quem começou a redigir a PEC lá atrás tinha uma visão muito precisa de quais eram os problemas do sistema tributário. Tanto que quase 100% do que é contencioso de todos esses tributos vai ser impactado pela reforma”, afirma Breno Vasconcelos.
Ele afirma que uma questão que pode aumentar a complexidade e gerar discussões judiciais e administrativas é a proposta de alguns estados de não centralizar a arrecadação do IBS em um conselho federativo com governadores e prefeitos.
São Paulo era um dos principais defensores desse modelo, mas, nesta quarta, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) recuou e admitiu a possibilidade de apoiar a cobrança centralizada.
O trabalho classifica a controvérsia em potencialmente eliminada pela reforma ou parcialmente eliminada -nesse último caso, também por conta da falta de informações mais precisas sobre a discussão. Questões de conflito de competências e não-cumulatividade estão na lista de problemas eliminados.
A análise considerou o documento com as diretrizes que resultaram na proposta divulgada pelo relator da reforma, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), no dia 22 de junho. Os pesquisadores afirmam que a avaliação continua a mesma até o momento e que não deve mudar, uma vez que o deputado tem sido bem fiel aos princípios fundamentais do IVA.
“Mesmo depois dessa última versão, a gente não teria alteração relevante [no estudo], porque são as principais características do IVA que acabam com os nossos principais problemas, que são não cumulatividade, base ampla, princípio do destino que acaba com a guerra fiscal”, afirma Vanessa Canado.
Ela diz que os benefícios poderiam ser maiores se não houvesse tratamentos diferenciados, como previa o texto original da reforma. “Esses tratamentos diferenciados vão gerar o contencioso no Brasil que geram, por exemplo, na Europa. Mas isso é muito residual.”
VEJA AS PRINCIPAIS CONCLUSÕES DO ESTUDO
PIS/Cofins
As contribuições federais PIS/Cofins respondem pela maior parte do contencioso tributário desses tributos. Ao menos 12 dos 14 grandes temas em debate seriam impactados pela adoção do modelo da CBS. Esses 12 temas representam aproximadamente 98% do valor total das discussões desses dois tributos e 89% da quantidade total de processos.
O Insper projeta potencial eliminação das discussões sobre aproveitamento e ressarcimento de créditos, além de potencial redução em temas como materialidade, compensação e incentivos fiscais.
ICMS
No ICMS, tributo estadual que representa o segundo maior contencioso tributário sobre o consumo em termos de valor, 16 dos 17 temas seriam impactados pela sua substituição pelo IBS. Esses 16 temas representam mais de 98% do valor total das discussões de ICMS e 88% da quantidade total de processos envolvendo esse imposto.
O IBS deve eliminar discussões como substituição tributária, aproveitamento de créditos, Difal, transferência de mercadorias e conflito de competência. É esperada redução nas disputas sobre materialidade, incentivos e exportação, por exemplo.
IPI
Em relação ao IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), ao menos nove dos dez temas seriam impactados, afetando 99% do valor total e 92% dos processos.
Se destacam discussões sobre incentivos, equiparação a industrial, valor tributável mínimo, transferência de produtos da mesma empresa e classificação fiscal, com eliminação total ou parcial.
ISS
No ISS, ao menos 7 dos 8 temas seriam impactados pela adoção do modelo do IBS, o que representa 95% do valor total das discussões e 67% da quantidade de processos.
Entre os maiores temas mapeados afetados estão materialidade, recolhimento a menor, competência territorial e incentivos fiscais.
Em 2019, o contencioso tributário nas esferas administrativa e judicial equivalia a 75% do PIB (Produto Interno Bruto), segundo o Insper. Os tributos federais correspondiam por 52,7% do valor do estoque, seguidos dos estaduais (16,2%) e municipais (6%).
EDUARDO CUCOLO / Folhapress