BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Reforma Tributária aprovada na Câmara dos Deputados propõe avanços na preservação do meio ambiente, mas ainda demanda melhorias e regulamentação, apontam especialistas e integrantes de organizações que acompanham o tema.
O texto deixa uma série de brechas para que empresas que desmatam e poluem recebam isenções fiscais sem levar em conta esse critério, segundo os especialistas. Para eles, a proposta não traz mecanismos para taxar atividades de alto impacto, como combustíveis fósseis, nem prevê benefícios para as de baixo impacto.
Uma das preocupações apontadas por ambientalistas durante a tramitação do texto na Câmara era garantir a correta tributação dessas companhias. Eles dizem ter havido alguma evolução com a criação de um imposto seletivo.
Esse tributo prevê a taxação da produção, comercialização ou importação de produtos que são nocivos à saúde e ao meio ambiente. Ele substituirá parte da arrecadação do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).
O problema é que, de última hora, foram incluídas exceções à regra que podem livrar de tributação, por exemplo, companhias ligadas à agropecuária, que produzem agrotóxicos.
As exceções preveem que determinados produtos terão isenções nas cobranças de alíquotas entre 100% e 60%.
Um trecho do texto prevê essa ressalva a “insumos agropecuários e aquícolas, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal”. Para ambientalistas, isso pode abrir brecha para que empresas que produzem agrotóxicos sejam beneficiadas.
Em outra frente, representantes desses setores também atuaram para garantir que houvesse uma revisão na forma de concessão dos benefícios tributários. A Folha de S.Paulo mostrou que 1.112 empresas multadas em R$ 2 bilhões pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) nos últimos dez anos receberam isenções de R$ 84,2 bilhões só em 2021.
Quase 400 empresas foram contempladas com R$ 12 bilhões em isenções de PIS e Cofins, tributos que deverão ser extintos pela reforma.
A maior parte dos benefícios se refere a isenções no Imposto de Renda, que será alvo de uma próxima etapa de reforma tributária, segundo o ministro Fernando Haddad (Fazenda).
Especialistas apontam que ainda não está claro como serão os benefícios ligados ao IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que substituirá o ICMS (estadual) e o ISS (municipal).
O texto aprovado pelos deputados em 7 de julho incluiu o meio ambiente em ao menos quatro passagens. Um deles o coloca como diretriz das mudanças relacionadas aos impostos de forma genérica.
“O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária e do equilíbrio e da defesa do meio ambiente”, diz o texto.
Outro trecho da reforma prevê que a concessão dos incentivos tributários “considerará critérios de preservação do meio ambiente”.
O tópico pode provocar alteração de benefícios como os concedidos pela Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia) e pela Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), mas a regulamentação do tema ficou para um segundo momento, por meio de lei complementar.
Especialistas avaliam que esses incentivos são considerados prioritários por empresários e por parlamentares e vêm sendo renovados desde 2001.
O Manifesto pela Reforma Tributária 3S (Saudável, Sustentável e Solidária), assinado por uma série de entidades, entre elas o Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e a Oxfam (confederação que reúne 19 organizações no mundo e atua em projetos de combate à pobreza), avalia que houve avanços com a Reforma Tributária, mas aponta lacunas no texto aprovado pelos deputados. A reforma encontra-se agora em tramitação no Senado.
O manifesto considera que a exceção incluída pela Câmara “é uma brecha para que produtos ultraprocessados e agrotóxicos, por exemplo, escapem de tributação específica que visa, justamente, à redução de seu consumo”.
“O imposto seletivo é uma vitória. Produtos que trazem impactos ao meio ambiente vão ter uma taxação maior. Agora, como tudo ficou para ser discutido depois [na lei complementar], é uma questão complicada”, afirma Lívia Gerbasi, assessora política do Inesc.
Lívia diz que o ideal seria que os combustíveis fósseis entrassem na lista de produtos que podem ter uma tributação maior, mas admite que será uma tarefa árdua fazer com que isso ocorra no Senado.
Além da necessidade de que o imposto seja regulamentado via projeto de lei complementar, Lívia ainda aponta que, da forma como está a redação do texto, nada impede que uma empresa seja taxada pelo imposto seletivo e receba isenções fiscais o que, para ela, é uma contradição.
“Queremos que produtos que estão na lista do imposto seletivo não possam entrar na lista do incentivo fiscal.”
Levantamento feito pelo Inesc mostra que 75% dos benefícios fiscais têm prazo indeterminado, isto é, ficam décadas no Orçamento da União.
“A gente precisaria ter um processo de gestão desses incentivos fiscais mais amplo e consolidado e que leve a uma revisão. Ou seja, um prazo máximo de cinco anos para cada incentivo e que, para você conseguir renovar, vai ter de passar por esse processo de novo no Congresso. Para essas revisões, você poderia colocar critérios ambientais, que é o que a gente está querendo.”
A Reforma Tributária também cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional e prevê que os estados e o Distrito Federal priorizem “projetos que prevejam ações de preservação do meio ambiente” na aplicação dos recursos.
As organizações que assinam o manifesto Sistema 3S afirmam que buscarão mudanças no Senado. “Persistiremos para que o Senado revise as lacunas”, diz o posicionamento.
A nota ainda afirma que causa “espanto” a ausência de menção “à mudança climática ou à necessária redução de emissões de gases de efeito estufa, em confronto direto à Política Nacional sobre Mudança do Clima, que determina a inclusão do tema no sistema tributário.”
Uma nota técnica elaborada pelo Inesc e pela Oxfam Brasil aponta que o texto não responde à questão sobre como assegurar a revisão adequada dos incentivos fiscais. “O texto do substitutivo não responde a essa questão e torna o critério eleito para indicar o rol dos produtos sujeitos à redução de alíquota bastante nebuloso”, diz a nota, produzida pela advogada tributarista Tathiane Piscitelli.
JULIA CHAIB E JOÃO GABRIEL / Folhapress