RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A região em que estava o avião da Voepass Linhas Aéreas que caiu nesta sexta-feira (9) em Vinhedo (SP) tinha alertas para a formação de gelo severo no nível em que a aeronave estava no momento em que perdeu contato com o radar.
Dados da Rede de Meteorologia do Comando da Aeronáutica mostram avisos sobre o fenômeno a partir das 8h30 até ao menos as 20h20 desta sexta para as altitudes entre 12 mil e 21 mil pés. De acordo com informações do Flightradar24, a aeronave estava a 17 mil pés pouco antes do acidente.
Maurício Franklin Pontes, gestor de crise da C5I Crises Consulting e investigador de acidentes aeronáuticos, afirma que o alerta não pode ser considerado um fator contribuinte para o acidente de forma prematura. Ela diz que as aeronaves comerciais têm sistemas de degelo nos motores e nas asas.
“Por si, esse reporte não deve ser considerado prematuramente uma evidência. Ainda que possa haver alguma contribuição meteorológica, existem alternativas mecânicas e operacionais para mitigação de condições adversas”, afirmou ele.
Nas primeiras horas após o acidente, especialistas em aviação ouvidos pela reportagem levantaram duas hipóteses principais para o caso com base nos primeiros detalhes, ressaltando que é cedo para determinar as causas.
Vários vídeos do momento da queda mostram que a aeronave desceu em queda livre girando levemente no ar, manobra conhecida como “parafuso chato”. Essas condições indicam que o piloto havia perdido o controle da aeronave e as condições de arremeter -ou seja, apontar o nariz da aeronave para baixo e usar os motores para ganhar novamente sustentação no ar.
O especialista em segurança de voo Roberto Peterka levanta a possibilidade de que gelo tenha se acumulado nas asas da aeronave, o que apontaria para uma falha no sistema de degelo. Já o engenheiro Hildebrando Hoffman, professor aposentado de Ciências Aeronáuticas da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), levanta a hipótese de que tenha ocorrido uma falha na posição das hélices.
Ambas as hipóteses teriam afetado a capacidade de tração da aeronave. Eles descartam a possibilidade de falha elétrica ou no motor, pois há sistemas auxiliares que normalmente não fariam com que o avião caísse em queda livre, como se vê nas imagens. A pane seca também está descartada, uma vez que o combustível queimou no solo, após a queda.
O avião era um turboélice modelo ATR-72, fabricado pela empresa franco-italiana ATR (Avions de Transport Régional). Foi fabricado em 2010, segundo o registro aeronáutico da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil). Operado pela Voepass, ele levava 57 passageiros e quatro tripulantes.
“Esse avião voa num nível [de altitude] onde tem muito gelo, então pode ser que o gelo tenha se acumulado nas asas e alterado o perfil de sustentação. Assim, ele perde a velocidade e a sustentação, e vem abaixo “, diz Peterka.
O nível em questão é uma altitude entre 15 mil e 20 mil pés. Aviões de maior porte costumam alcançar alturas mais elevadas, até 40 mil pés. As condições do tempo, que estava nublado, podem ter contribuído para a formação de gelo, segundo Peterka.
“O piloto tem as suas medidas de segurança para tirar o avião dessa situação [de perda de sustentação no ar], e numa dessas [manobras] ele passa pelo ‘parafuso chato’. E se ele entrar no parafuso chato, é muito difícil de sair”, ele diz.
Aviões do modelo ATR-72 têm sistemas para prevenir a formação de gelo, ressalta o engenheiro Hildebrando Hoffman. Um dos recursos antigelo, ele afirma, permite injetar ar quente que sai dos motores em câmaras de borracha em partes críticas do avião para evitar a formação de gelo. Segundo ele, a formação de gelo faria com que o avião perdesse eficiência, mas acha pouco provável que resultasse na queda em “parafuso chato”.
Hoffman também diz que chama atenção o fato de que asas e estabilizadores aparecem nas imagens aparentemente íntegros, ou seja, nenhum pedaço importante do avião parece ter se quebrado antes da queda. Isso, segundo ele, afasta a hipótese de um problema aerodinâmico.
“Essa situação [o modo como o avião caiu] se deve fundamentalmente porque por algum motivo ele deixou de ter tração, os motores deixaram de funcionar em regime normal”, diz Hoffman. “Ele perdeu a tração e veio em queda livre praticamente na vertical, girando. Isso pode ter ocorrido porque algo aconteceu com o sistema de hélices, que precisa estar numa posição correta para causar tração.”
Ele diz que uma série de motivos pode explicar a mudança de posição das lâminas das hélices, como uma manobra ou uma falha no motor que obriga o piloto a mudar a carga. “Tudo que nos estamos conversando é num estágio de hipóteses”, diz o professor.
A FAB (Força Aérea Brasileira) disse, em nota, que “o voo ocorreu dentro da normalidade até as 13h20” desta sexta e que a aeronave deixou de responder respondeu às chamadas do Controle de Aproximação de São Paulo a partir das 13h21.
A tripulação não declarou emergência e nem reportou estar sob condições meteorológicas adversas, segundo a FAB. “A perda do contato radar ocorreu às 13h22.”
ITALO NOGUEIRA / Folhapress