SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A região de bairros conhecida como Capela, em Vinhedo (80 km de São Paulo), era marcada por outras histórias antes do avião modelo ATR 72-500 cair dentro do condomínio Recanto Florido, na última sexta-feira (9).
De acordo com o historiador Guilherme Oliveira, o local era um quilombo no século 19. Naquela época, Campinas (109 km de São Paulo) e o interior de São Paulo eram especialmente violentos para pessoas escravizadas.
Isto porque a crise dos engenhos de açúcar no Nordeste brasileiro e a proibição inglesa do tráfico de pessoas fez os senhores escravagistas intensificarem o comércio de cativos com o Sudeste. Dessa forma, métodos de tortura da região foram ampliados para forçar o trabalho escravo.
Foi aí, por volta de 1885, que um grupo de 15 pessoas conseguiu fugir da Fazenda Sete Quedas. Eles driblaram a vigilância e seguiram o leito do rio Capivari até chegarem em um local seguro. “Esse quilombo virou um ponto estratégico de fuga de diversos escravizados da região entre Campinas, Jundiaí, Itatiba, Itupeva e ele ficou conhecido. Mas, acabou depois da abolição”, contou Oliveira à Folha.
Em 1888, ano da lei Áurea, colonos suíços se apossaram da terra escolhida pelo grupo quilombola e construíram a pequena igreja católica Nossa Senhora de Lourdes. Daí o nome Capela.
A construção sacra original foi removida de onde estava fixada para dar lugar à rodovia Anhanguera (SP-330), na década de 1940. A igreja foi reintroduzida em outro local do bairro Capela e hoje é uma paróquia submetida à arquidiocese de Campinas.
Ela está no sudoeste de Vinhedo, às margens da rodovia que tomou seu lugar de origem. Fica à 170 metros da praça Aurora Sudário, única da cidade com nome de uma mulher negra.
A homenageada, morta em 1997, fundou um núcleo de samba de roda que também leva seu nome e é reconhecido como Patrimônio Imaterial Paulista. O grupo Dona Aurora lamentou a morte dos 62 passageiros no Instagram, “estaremos em orações, Deus conforte os corações”.
A espiritualidade no texto também é uma herança da precursora do grupo. Dizem que ela curava pacientes, em vida, sem cobrar nada. Ainda hoje sua intervenção é procurada por alguns devotos.
“Tem gente daqui que se diz Capelense e não Vinhedense”, disse Oliveira, que mora há 20 anos na região.
Oficialmente existe um bairro que chama Capela. Mas é comum que toda a parte sudoeste da cidade seja chamada dessa maneira, disse a própria prefeitura. O local conta com dez escolas e oito centros de saúde. São cerca de 20 mil morando na região, mais de 26% da população de Vinhedo.
A região da Capela é vista como um local marginalizado, disse o historiador. Desde a década de 1990, porém, começaram a ser construídos na região condomínios de casas , como o Recanto Florido, onde caiu o avião.
Quem chega ao condomínio percebe que as casas de alto padrão ficam de um lado que tem calçadas formadas por gramas aparadas e pedras de passeio. Do outro lado ficam as construções com tijolos e cimentos aparentes, muros mais baixos e portões de madeira. De perto, é possível ouvir o barulho das correntes dos cães arrastando nos quintais.
A queda do avião abalou a rotina dos moradores. Depois do susto eles ainda precisaram conviver com o medo e o luto. As luzes das sirenes dos socorristas iluminaram a cama dele durante a madrugada. “Fui dormir em um outro cômodo porque a minha a janela do meu quarto é de frente para a rua”, afirmou Oliveira.
Não houve um comunicado sobre acompanhamento de possíveis traumas emocionais para a região, diz Oliveira. Segundo a prefeitura, foi realizado um trabalho “casa a casa para a vizinhança afetada, mas o serviço está à disposição de todos. De segunda a sexta das 8h às 15h, nos dois Centros de Atendimento Psicossocial da região”.
GUSTAVO LUIZ / Folhapress