SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Representantes do governo de Cuba no Brasil admitem que a ilha passa por um desabastecimento generalizado, que afeta inúmeros setores e a principal causa, afirmam, é a permanência do país na lista dos EUA de nações que patrocinam o terrorismo. Produtos alimentícios, medicamentos, insumos agrícolas e combustíveis são alguns exemplos de itens essenciais racionados. Eles negam, porém, haver fome.
O conselheiro e vice-chefe da Embaixada de Cuba no Brasil, Melne Hernández, e o cônsul do país em São Paulo, Benigno Fernández, disseram à reportagem que os problemas começaram com a pandemia. Às vésperas do surto global de Covid, em 2019, Cuba recebia mais de quatro milhões de turistas por ano. Também avançavam as relações comerciais com empresas das mais diversas nações, desde que, em 2016, Barack Obama havia retirado a ilha da lista de países acusados de patrocinar o terrorismo e buscava flexibilizar o embargo.
No período de isolamento sanitário mais crítico, governo e famílias queimaram suas reservas, afirmam os representantes do corpo diplomático. O país nem começara a se reerguer quando veio o segundo baque. Em 11 de janeiro de 2021, dias antes de deixar a Presidência, Donald Trump recolocou Cuba na lista de patrocinadores do terrorismo. Havia a expectativa de que Joe Biden fosse rever a decisão, o que não ocorreu até agora.
Segundo documento da ONU de julho de 2023, Cuba vinha registrando avanços até 2022, quando passou a sofrer o que chamou de “pesados retrocessos” por causa da pandemia e por fatores que qualificou de socioambientais. O embargo dos EUA, estima o organismo internacional, causa perdas diárias de cerca de US$ 13 milhões (R$ 73 milhões).
“A situação é bastante complexa, porque a recuperação do turismo em si é lenta. Recebemos nos sete primeiros meses deste ano 1,4 milhão de turistas, mas estar na lista de países que supostamente patrocinam o terrorismo nos traz implicações terríveis”, diz o vice-chefe da embaixada cubana, Melne Hernández.
A inclusão nesse rol, no qual constam países como Irã e Síria, impõe sanções severas não apenas no quesito segurança, mas também em comércio e finanças. Empresas que compram ou vendem produtos, bem como bancos que liberem financiamentos a Cuba, podem sofrer sanções do EUA e de países parceiros. O uso de um simples cartão de crédito internacional é bloqueado quando o turista está na ilha.
Apesar de alguns associarem o momento atual à crise vivida com o fim da União Soviética, que os cubanos ironicamente chamam de período especial, Hernández diz que não há similaridade. “Lá atrás, 85% do comércio dependia de nações socialistas, e hoje temos relações com diferentes países.”
Como tentativa de superar este cenário, Cuba busca justamente aumentar a diversificação, atraindo mais viajantes e investimentos privados, afirma o cônsul do país em São Paulo, Benigno Fernández. “O momento é complicado, mas o governo não está parado, busca alternativas, e o Brasil é um parceiro importante.”
Cuba vê oportunidades para não apenas elevar o fluxo de turistas brasileiros, negociando a reativação de um voo direto entre os países. Também quer atrair empresas de energia renovável, para reduzir a dependência de combustíveis fósseis, e companhias ligadas ao agronegócio, em especial de açúcar e álcool, para modernizar o setor na ilha. Também há o interesse por empresas atacadistas, que poderiam ajudar na estrutura de abastecimento.
ALEXA SALOMÃO E GABRIELA ANTUNES / Folhapress