SANTOS, SP (FOLHAPRESS) – A pergunta é simples. É possível um banhista usar guarda-sol e cadeira de comerciantes na faixa de areia das praias, que é pública, sem nada consumir deles nem pagar taxa alguma? Como cada cidade faz as suas próprias regras, as respostas na Baixada Santista, no litoral sul de São Paulo, geram uma “torre de Babel” de interpretações.
“Entendo que tem que consumir, sim. A praia é pública, mas a estrutura é nossa”, resume Lúcia Azevedo, 66, dona do carrinho de bebidas Zenon & Lúcia na praia do Embaré, em Santos, há três décadas.
Para evitar estresse há um “macete” na abordagem. “A gente já chega com o cardápio e explica as nossas normas. Por exemplo: não aceitamos que a pessoa traga ‘cooler’ com bebidas de casa”, diz. Outra iniciativa é manter cadeiras recolhidas e só instalá-las após sinal verde de que o interessado vai ficar –e gastar.
A sobrinha, Joice Santos, 37, trabalha com Lúcia e acrescenta: “Se a pessoa chegar com sua cadeira e seu guarda-sol e quiser ficar aqui no meio da gente, não tem problema. Até tiramos o que é nosso para abrir espaço. Mas contamos com o bom senso de que, ao utilizar nossa estrutura, possa consumir algo que oferecemos”.
As duas relatam que já houve casos isolados de impasse, mas que tudo foi resolvido “na conversa”.
A Sefin (Secretaria de Finanças e Gestão) de Santos diz, em nota, que “apenas os ambulantes com venda de bebidas alcoólicas podem colocar guarda-sóis e cadeiras na faixa de areia da praia de Santos, sendo que o permissionário tem a prerrogativa de cobrar pelo uso desses equipamentos”.
Uma frequentadora de 67 anos, que pede para não ter o nome divulgado, conta que parou em um carrinho de batidas em Santos e usou cadeira e guarda-sol sem ser questionada pelos vendedores. Como consumiu apenas uma água do local, na hora de pagar, deixou uma “caixinha” aos funcionários. Segundo ela, o bom senso deve imperar nessa relação.
Nas vizinhas São Vicente e Guarujá há discrepâncias nas regras municipais sobre o assunto. Em São Vicente, a prefeitura diz autorizar a colocação de guarda-sóis e cadeiras na areia das praias do Itararé e Gonzaguinha, “onde os proprietários de cada estabelecimento têm autonomia para manuseio do espaço”.
Cada ambulante que presta serviços tem direito à colocação, em seu ponto de trabalho, de 30 cadeiras e dez guarda-sóis “para uso do público”.
Já de acordo com a Prefeitura de Guarujá, o comerciante pode retirar sua estrutura se o frequentador nada consumir. “Aqui o comerciante não loca, ele oferece. Paga suas licenças e tem seus direitos”, diz a secretária de Convivência Social do Guarujá, Valéria Amorim.
Ela também recomenda “bom senso” em situações como a utilização de cadeiras e guarda-sóis de quiosques e ambulantes por não clientes, inclusive aqueles que eventualmente trazem o próprio “cooler” com bebidas.
“Vale reiterar que o uso da área pública é uma concessão e, por isso mesmo, o permissionário vai, sim, legalmente explorá-lo.”
A Prefeitura de Praia Grande se limitou a considerar que a fiscalização compete ao Procon. Já as assessorias do Procon-SP (sede em São Paulo) e do de Praia Grande informam que situações específicas, como a descrita, são geralmente reguladas por legislações municipais, quando há.
O único ponto comum a todos os municípios, diz o Procon-SP, é a proibição de cobrança de consumação mínima -quando o estabelecimento impõe um determinado valor para que a pessoa permaneça no local, inclusive em bares e restaurantes.
Essa prática é considerada abusiva em todo o comércio nacional pela Lei Federal 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor.
ALUGUEL POLÊMICO
Mongaguá tem suas peculiaridades. Lá ambulantes (que usam carrinhos) não podem ter guarda-sóis e cadeiras na areia. Isso é permitido apenas aos quiosques sediados no calçadão que, por sua vez, não estão autorizados a cobrar “aluguel” pelo uso da estrutura, segundo a prefeitura.
Na prática, porém, o aluguel existe. Sem ser identificado, o dono de um dos quiosques mais movimentados da cidade diz que qualquer pessoa pode parar em sua estrutura na areia, inclusive com o próprio “cooler”, mas que cobra, sim, R$ 10 para cada cadeira e R$ 10 pelo guarda-sol.
Outro quiosqueiro, que também pede anonimato, defende a ponderação de lado a lado, mas admite que isso é subjetivo. Ele conta que, dias atrás, uma mulher se sentou em sua cadeira, usou seu guarda-sol, nada consumiu, mas também não permaneceu o dia todo. Ele, portanto, não a interpelou, narra.
De acordo com o comerciante, um conjunto com quatro cadeiras, mesa e guarda-sol custa R$ 1.200 -e quebra com certa frequência. O aluguel, oficialmente não permitido, seria usado para bancar essa conservação.
Em Itanhaém, o comerciante não pode cobrar pelo uso de estruturas montadas no espaço público, diz a Secretaria de Desenvolvimento Econômico. A pasta recomenda que essa prática seja denunciada ao setor de fiscalização da prefeitura.
Quiosques evitam comentar, mas acatam a determinação, segundo apurou a reportagem. Dois exemplos: no Bezerra da Praia, o cidadão pode ficar sem consumir. Já o Moai Beach mantém no local placas proibindo “coolers”.
Em Bertioga, a Diretoria de Abastecimento e Comércio informa que não é permitida a cobrança do uso de guarda-sóis e cadeiras. Já a Prefeitura de Peruíbe não se manifestou.
“O que podia é ter regra única para a região”, sugere a banhista Silvana Gonçalves Lima, 34, que costuma frequentar as orlas de Santos, cidade onde mora, além de Guarujá e Praia Grande, onde tem amigos e familiares.
“Na dúvida, eu sempre peço algo, nem que seja um simples refrigerante, e os vendedores já deixam a gente à vontade”, relata.
JOÃO PEDRO FEZA / Folhapress