SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em um imponente sobrado com 800 metros quadrados de construção, cinco quartos, piscina e quadra esportiva cravados em um chique bairro de Mogi das Cruzes, mora e trabalha uma das figuras mais emblemáticas da segunda década dos anos 2000, Darlan Mendes, 34, considerado o rei dos rolezinhos. Hoje ele mantém uma “fábrica” para transformar jovens em influenciadores digitais.
Os rolezinhos foram um movimento cultural que explodiu espontaneamente no final de 2013 e chegou a reunir mais de 5.000 pessoas, principalmente jovens e adolescentes de áreas periféricas. Em multidões, eles se encontravam em shoppings, parques e locais públicos, inicialmente em São Paulo, mas logo o fenômeno se alastrou para outras cidades do país.
Surpreendidos com ineditismo do movimento, seguranças de espaços privados passaram a agir com truculência para tentar debelar os encontros. Quando era acionada, a polícia tomava, muitas vezes, o lado dos seguranças e dos donos dos shoppings, o que acabou gerando um debate público a respeito da carência de áreas de lazer na periferia e da discriminação dos mais pobres.
“Então, assim, o shopping quando via o Darlan entrando, meu Deus do céu, já tinham dez seguranças atrás de mim, mesmo que não fosse o rolezinho. Nunca vi tanto segurança, acho que até os de folga eles colocavam, porque eles já falavam: ‘o cão chegou, deve aprontar alguma coisa'”, conta o próprio Darlan.
O agora empresário explica que o grande combustível dos rolezinhos foram os chamados “famosinhos do Facebook” (maior rede social da época), que conseguiam atrair o interesse dos jovens, catapultados pela habilidade de Darlan em organizar eventos.
“Eu não era conhecido na internet e tal, mas juntamos o útil ao agradável. Esses famosinhos tinham a força da internet e eu tinha os caminhos de como fazer dentro da lei, de como organizar, de como negociar, porque a gente teve que negociar”, explica.
Uma década depois do movimento, Darlan continua a conviver e trabalhar com jovens da “quebrada”, mas, agora, com um número reduzido.
Na DM House, como foi batizado o sobrado de Mogi, o empresário abriga 12 meninos e meninas talentosos e os prepara para fazer sucesso nas redes sociais e, também, para lidar com as consequências dele como a entrada repentina de (muito) dinheiro.
A casa também ajuda jovens “não residentes”, em número ainda maior, que aparecem por lá esporadicamente para serem lapidados. Nessa lista estão os garotos de famílias ricas que recebem orientações e macetes para se comunicarem melhor com a periferia, outro braço do trabalho de Darlan.
“Tem filhos de empresários, de dentistas, de médicos, tem gente de Tamboré, Alphaville, Cotia, Granja Viana [regiões de condomínios de alto padrão próximas a São Paulo]. Eles me procuram para conhecimento, expertise, aprender a trabalhar. Não é porque eles têm grana que eles não querem muito mais. Eles não, os pais, muitas vezes.”
Segundo Darlan, esses alunos já têm dinheiro e tecnologia adequada para transmissões, mas buscam uma maior proximidade com o público de periferia, “que é o fã mais fiel e verdadeiro”.
“Hoje o sonho da molecada não é mais ser jogador de futebol, não. Todo mundo quer ser influenciador digital. No caso desses garotos [ricos], eles não querem ser mais os ‘meninos de prédio’, os ‘boys bobos’, como tem as gírias utilizadas pela molecada da periferia. Então, eles querem ser as pessoas integradas, estar no meio.”
Segundo Darlan, a casa ganhou protagonismo no competitivo mercado de criação de conteúdo ao investir nos chamados “biscoitos”, um tipo de dublagem e divulgação de músicas nas redes sociais feita por jovens.
“Nossa casa é conhecida como 01, é a casa que tem o maior público de biscoito. Biscoito é aquele negócio de você colocar a música lá [nas redes sociais], vai a galera, junta a galera, põe a música e fica dublando, falando. São os vídeos que colocam as músicas em alta. É por isso que as grandes produtoras, a galera procura a gente hoje, por causa desses números que são grandes”, diz.
Além dos biscoiteiros, a DM House tem outros tipos de talentos, como cantores, comediantes, imitadores e até jogadores mirins de futebol. Em alguns casos, nem há tanto talento assim mas um carisma a ser explorado, pela beleza ou, em alguns casos, até pela feiura, afirma o empresário.
“Eu pego uma megaprodução, faço um megaclipe e não dá nada. Eu pego um clipe, gravo com iPhone 15, sem rebatedor, sem nada, no meio do sol, e explode. Nós chegamos em uma era que, às vezes, o feio é mais valorizado do que o bonito”, explica.
Para manter a casa, Darlan afirmar investir cerca de R$ 30 mil mensais. Parte de dinheiro vem de patrocínios e do trabalhado de agenciador dos influenciadores.
O empresário afirma que, apesar de tantas mudanças ocorridas nos últimos dez anos, algo continua presente e que persegue meninos pobres, aonde quer que vão, como no sobrado de Mogi. Conforme diz, os vizinhos acionam a polícia ao verem os hóspedes da DM House.
“Já chamaram a polícia, chamaram a fiscalização da prefeitura. São vários e vários chamados. Falsas comunicações de crime para tentar fazer alguma coisa. Para a polícia vir, eles falam que são jovens negros em atitude suspeita. Para mim é racismo. A polícia passa e vai embora, porque não existe nada.”
Ele diz que o movimento dos rolezinhos está adormecido e, para ele, isso não tem nada a ver com os pancadões aos quais se diz contrário, embora seja do funk.
“Não sou a favor do pancadão de rua. Não sou a favor da perturbação, cara. Porque eu me coloco no lugar das outras pessoas. Sou a favor da organização, da diversão, da cultura, do lazer. Com respeito. Com respeito.”
ROGÉRIO PAGNAN E JAIRO MARQUES / Folhapress