SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Para uma Casa Folha lotada, Francesca Angiolillo e Raquel Cozer dissecaram detalhes saborosos das figuras de Tarsila do Amaral e Lygia Fagundes Telles. Sob mediação da repórter especial da Folha de S. Paulo Fernanda Mena, as autoras debateram suas biografadas e o exercício de escrever a história de mulheres.
Angiolillo não é estranha aos livros -ela recebeu um prêmio da Biblioteca Nacional por seu “Etiópia” em 2018-, mas escreve uma biografia pela primeira vez. Ela conta que foi procurada pela editora, a Companhia das Letras, com o convite de escrever sobre Tarsila do Amaral.
Cozer, que vem de carreira jornalística e editorial, procurou a Companhia das Letras com o projeto. “Colou”, ela diz. Pelo gosto que tinha pela autora, diz que criou com sua biografada uma relação de amizade.
Mas a paciência de Cozer com Telles, para ela, Lygia, tem limite. Ela afirma que, ao escavar a história dessa mulher, encontra episódios incompreensíveis, como quando a escritora foi jurada do concurso Miss Brasil. “Tem momentos que ela pisa na bola.”
Angiolillo não partiu do mesmo ponto. “Ela é, para mim, um objeto jornalístico.” Tarsila, diz Angiolillo, “era linda, elegante, tinha muito dinheiro, teve boa formação” e teve meios para estar no lugar certo, na hora certa. Isto é, Paris, na virada do século.
O mérito de Tarsila, segundo sua biógrafa, não foi o pioneirismo modernista. Isso coube a Anita Malfatti. Em 1917, quando Malfatti fazia a célebre exposição detonada por Monteiro Lobato, Tarsila estava começando a pintar, aos 30 anos, depois de se separar do primeiro marido.
O pioneirismo de Tarsila foi captar o espírito de seu tempo e criar o modernismo brasileiro para exportação. “Tarsila foi literalmente o rosto do modernismo”, diz. “Ainda pesa ela ter sido uma musa, de certa maneira.”
Mas ela quer humanizar o mundo -para si e para os outros. Tratar da velhice de Tarsila, que tem sua imagem eternizada em seus retratos, diz a autora, é um passo nessa direção.
A idade é assunto também em Telles -quando morreu, em abril de 2022, descobriu-se que a autora era mais velha do que dizia ser. Ela nasceu em 1918, mas costumava dizer que nasceu em 1923. “Ela entendia que a sociedade esperava dela que fosse mais jovem”, diz Cozer. Tarsila também mentia a idade -e envolvia a da filha, Dulce, também, para acompanhar sua história.
As duas biografadas ainda se costuram nos amores. Ambas se separaram de seus primeiros maridos e viveram segundos casamentos com figuras controversas. Tarsila se casou com Oswald de Andrade, que a traiu com a estudante Patrícia Galvão, a Pagu, homenageada pela Flip na edição passada.
Telles se separou do primeiro marido, o o jurista Gofredo da Silva Telles Júnior, e se casou com o crítico de cinema Paulo Emilio Salles Gomes. Cozer lembra um episódio em que ele teria dito a Telles que quanto mais a traía, mais a amava. “Que desgraçado”, diz Angiolillo. Mas as duas biógrafas reiteram que, apesar da pecha de “esquerdomachos”, os homens eram fontes de apoio para as artistas.
BÁRBARA BLUM / Folhapress