BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Santiago Peña não quer estar muito para lá nem muito para cá. O presidente eleito do Paraguai pretende manter relações com a ilha de Taiwan, mas aumentar o comércio com a China. Deseja retomar relações com a Venezuela, mas ecoar a voz de quem é perseguido pelo regime de Nicolás Maduro. Também não quer ser visto como de direita nem de esquerda -e sim “para a frente”.
Nesta sexta-feira (28), ele se encontrou pela terceira vez com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) antes de sua posse, em 15 de agosto. Em entrevista à Folha na véspera, disse que o líder brasileiro “encarna hoje a figura política mais importante do mundo”, de olho no seu plano de “deslocar o centro de produção da Ásia para a nossa região”, com o Paraguai no centro.
Em abril, o economista de 44 anos conseguiu a vitória mais folgada do partido Colorado das últimas décadas e consolidou o poder da legenda conservadora, cercada por uma maioria à esquerda na América do Sul. A sigla comanda o país há quase 70 anos, desde a ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989), com exceção da gestão do ex-bispo Fernando Lugo, de 2008 a 2012, que sofreu um impeachment.
‘RELAÇÃO COM TAIWAN NÃO IMPEDE COMÉRCIO COM A CHINA’
O Paraguai é o único país na América do Sul entre as 13 nações que reconhecem a ilha de Taiwan, considerada pela China uma província rebelde. Peña não pretende mudar e não vê isso como um problema. “Vamos continuar com Taiwan, mas nossos laços comerciais com a China continental são amplos e profundos, e acredito que continuarão crescendo nos próximos anos”, afirma.
O gigante asiático é o maior comprador de soja paraguaia e “o maior provedor de bens” para seu país, porém ele diz priorizar as trocas com a ilha, que seriam melhores para agregar valor à sua economia. “Taiwan também tem uma relação comercial com a China continental”, argumenta o político, que chegou a estudar numa universidade taiwanesa em 1999 e viajou recentemente a Taipé.
‘HÁ MUITO ESPAÇO PARA MELHORAR INTEGRAÇÃO’
Peña diz que o Paraguai está decidido a se inserir a nível regional e mundial e que isso passa por uma aliança com o Brasil: “Não apenas por ser o nosso maior parceiro comercial, mas também porque é a oitava maior economia do mundo. Além disso, na minha visão, Lula encarna hoje a figura política mais importante do mundo”.
Apesar de ver avanços no Mercosul, o presidente tem “a sensação de que ainda falta muitíssimo para que o Paraguai possa melhorar e também de que há muito espaço para melhorar a integração”. Seu objetivo é avançar na industrialização do país e se tornar “uma plataforma de produção para a região e para o mundo”.
‘PAÍS NÃO PODE SER VISTO SÓ POR TRÍPLICE FRONTEIRA, CONTRABANDO E CRIME’
Para atrair empresas “não só brasileiras, mas europeias, asiáticas, americanas”, Peña pretende mudar a imagem externa do Paraguai, por isso estendeu a viagem a São Paulo, onde o ex-governador João Doria deu um jantar em sua homenagem. “Muitas vezes, lemos o Paraguai apenas como a Tríplice Fronteira, o contrabando, a atividade ilícita, e essa é uma imagem muito distorcida.”
“Poucas vezes lemos que o Paraguai tem um cenário econômico favorável, [mas o país] provavelmente será a economia que mais crescerá na América do Sul este ano, tem uma estabilidade macroeconômica, com uma moeda forte e estável, além de um ambiente político muito favorável.” Ele se refere à expansão do seu partido, Colorado, não só no Executivo federal, como no Legislativo e nos estados.
‘MERCOSUL FAZ MUITO MAIS PELO AMBIENTE QUE OUTROS’
O presidente eleito se soma às críticas de Lula à União Europeia, que fez novas exigências ambientais para fechar um acordo de livre comércio negociado com o Mercosul há mais de 20 anos. “Não é apenas a posição de Lula, acredito que é a posição de todos os países. Claramente, também é minha posição.”
“Acredito que os países do Mercosul estão fazendo muito contra a mudança climática, muito mais do que outros países de outras regiões do mundo, e hoje claramente decidiram avançar e progredir sendo um modelo sustentável. […] 100% da energia do Paraguai é energia hidroelétrica, então mal poderíamos ser mencionados hoje como países que não estão colaborando contra a mudança climática.”
‘TOMEI A DECISÃO DE RETOMAR RELAÇÕES COM A VENEZUELA’
Desde a campanha, Peña falava que pretendia retomar as relações com o regime de Nicolás Maduro. “Acredito que isso também nos levará a sentar à mesa, tenho uma enorme convicção de poder colaborar no diálogo”, diz, ressaltando, porém, que “não pode ficar em silêncio”.
“Claramente seremos uma voz para aqueles que hoje estão sendo perseguidos ou estão pedindo eleições limpas. E acredito que o Paraguai tem uma responsabilidade ainda maior por sua própria história, um país que viveu 35 anos sob uma ditadura”, acrescenta, sem mencionar que o regime paraguaio foi liderado pelo Colorado.
‘ROTULAR-ME COMO DIREITA É UMA AVALIAÇÃO PRECIPITADA’
Questionado sobre o fato de que agora será um dos poucos presidentes voltados à direita na América do Sul, Peña rebate que “é uma avaliação muito precipitada rotulá-lo como de direita apenas pelo fato de ter uma formação acadêmica nos EUA ou por ter trabalhado no setor privado”.
Economista e professor pela Universidade Católica de Assunção, ele fez mestrado na Universidade de Columbia, em Nova York, em 2001. Integrou a equipe do FMI (Fundo Monetário Internacional) em Washington em 2009 e foi diretor do Banco Central do Paraguai. Só entrou na política em 2015, como ministro da Fazenda do ex-presidente Horacio Cartes.
“Hoje não podemos olhar para a direita ou para a esquerda, temos que olhar para frente. Me identifico com uma política social que entende que a melhor ajuda aos setores mais vulneráveis é a geração de empregos. Tenho uma agenda social muito ampla, mas também não vou aumentar impostos, porque não tem sentido fazer isso num país sem mar, onde os custos de transporte são muito mais altos.”
‘HORACIO CARTES NÃO TERÁ PESO NO GOVERNO, SÓ NO PARTIDO’
Peña foi eleito como apadrinhado do ex-presidente e líder do Colorado, Horacio Cartes, classificado como “significativamente corrupto” pelos Estados Unidos. Questionado sobre o peso que o poderoso empresário terá em seu governo, responde que “Horacio tem o peso que a cidadania lhe deu quando o elegeu presidente do partido Colorado. Tem uma responsabilidade partidária, e não nacional”.
Já sobre a detenção de seu adversário extremista Paraguayo Cubas, hoje em prisão domiciliar por incitar atos contra o resultado das eleições, limita-se a dizer que é papel da Justiça julgá-lo: “Houve ameaças, distúrbios, ataques a diferentes figuras, e, com base nisso, o Ministério Público apresentou as acusações.”
JÚLIA BARBON / Folhapress