RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O desembargador Peterson Barroso Simão, do TRE-RJ (Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro), afirmou nesta sexta-feira (17) que o caso das “folhas de pagamentos secretas” se configura como abuso de poder político e econômico do governador Cláudio Castro (PL) nas eleições de 2022.
O magistrado entendeu que as contratações feitas por meio da Fundação Ceperj (Centro Estadual de Pesquisa e Estatística do Rio de Janeiro) quebraram a igualdade entre os candidatos e influenciaram “na livre escolha dos eleitores em dimensão desproporcional”.
“Foi nítido o caráter eleitoreiro perturbando a legitimidade e normalidade de um pleito de grande dimensão referente à eleição do chefe do Executivo do estado”, afirmou Simão.
“A prova oral e documental formam um arcabouço jurídico que demonstram nitidamente a existência de graves ilicitudes que comprometeram a lisura do processo eleitoral em 2022 em benefício do governador e vice”, disse o desembargador.
O magistrado expôs sua posição sobre a ação movida pela coligação de Marcelo Freixo (PT), derrotado na eleição. Ela tinha apenas Castro e Pampolha como réus, além do ex-presidente da Fundação Ceperj, Gabriel Lopes.
Simão ainda não proferiu voto em relação à pena a ser aplicada. A coligação de Freixo e a Procuradoria Regional Eleitoral pediram a cassação dos mandatos do governador e do vice.
Castro é acusado de ter participado da montagem de um esquema para criar 27 mil cargos fantasmas para alocar apadrinhados políticos às vésperas da campanha, driblando regras administrativas e eleitorais, incluindo o uso de funcionários fantasmas.
Em nota antes do julgamento, o governador afirmou que extinguiu os projetos após os relatos de irregularidades e que “não foram apresentados nos autos do processo elementos novos que sustentem as denúncias”.
O chamado escândalo da “folha secreta de pagamento” foi revelado pelo portal UOL em junho de 2022. O caso se refere ao uso da Uerj e da Fundação Ceperj para o pagamento de funcionários de projetos sociais sem a divulgação de seus nomes.
Os pagamentos eram feitos por meio de ordens bancárias emitidas em nomes dos funcionários dos projetos e pagas na boca do caixa das agências do Bradesco em dinheiro vivo.
As contratações só foram interrompidas em agosto, após uma ação civil pública do Ministério Público estadual. Há ainda em curso uma investigação criminal.
O caso gerou duas ações de investigação judicial eleitoral, uma movida pela chapa de Freixo e outra pela Procuradoria Eleitoral. O TRE decidiu unir as duas num único processo, em vias de ser julgado. Elas têm, no total, 13 réus. Além da cúpula política do estado, estão entre os acusados dois deputados federais, dois estaduais e três secretários.
Durante a sessão no TRE, o advogado Paulo Fagundes, que representa a coligação de Freixo, comparou a eleição no estado em 2022 à recondução do presidente Vladimir Putin na Rússia. Ele afirmou que o resultado da eleição, que deu 58% dos votos válidos a Castro, é usado para tentar constranger a Justiça Eleitoral a ignorar o que considera uso da máquina no pleito.
“[O esquema] Era para contratar cabos eleitorais, ou agradar a população com uma contratação expressiva dessa, para produzir o resultado eleitoral que produziu. E aí, com o resultado eleitoral, criar o constrangimento e a intimidação da sociedade. Quem vai questionar [uma vitória com] 60% dos votos? Eu digo até que foi pouco com todo esse uso da máquina, foi pouco. E para constranger a Justiça Eleitoral”, disse Fagundes.
“Eleições está na boca de todo totalitário, seja totalitário pela violência, seja pelo poder econômico e político. Basta dizer que o Putin foi reeleito dois meses atrás na Rússia com 90% dos votos. Pode-se se dizer que a Rússia vive numa plena democracia? Foi uma escolha soberana? Na Rússia não tem Justiça Eleitoral firme e altiva como temos aqui.”
Putin foi reeleito em março com 87% dos votos numa eleição marcada pelo aumento da repressão sobre a oposição.
“É evidente que numa democracia, a eleição é essencial. É evidente que a eleição apura a vontade da maioria. É evidente que deve ser respeitada a vontade da maioria. Mas nós estamos falando de eleições limpas, sem abuso e sem violência. Sem a violência do capital e das intimidações”, disse Fagundes.
O advogado comparou o contingente de contratações questionadas com o volume de servidores em algumas secretarias. Afirmou que os 27 mil pessoas nas “folhas de pagamento secretas” superam os cerca de 12 mil servidores da Defesa Civil e se iguala aos cerca de 27 mil professores da rede estadual.
“Vamos lembrar da tragédia de Petrópolis, em 2022. Se ele colocou todo o efetivo da Defesa Civil, foi menos da metade do que foi contratado em quatro meses no Ceperj. Se isso não é abuso de poder com repercussão nas eleições, nada mais é.”
O advogado Eduardo Damian, que defende Castro na ação, afirmou que a diferença de votos para o candidato derrotado deve ser levado em consideração pelos sete desembargadores.
“Estamos falando do governador que venceu com uma diferença de 2,6 milhões de votos. Falar de milhares de pessoas contratadas, de milhões gastos… O orçamento do estado é de R$ 100 bilhões”, disse o advogado do governador.
“A diferença de votos é maior do que a de Lula sobre Bolsonaro em todo o território brasileiro. É maior do que o eleitorado completo de 12 estados. Essa dimensão tem que ser levada em conta.”
Damian também alegou que a Fundação Ceperj (Centro Estadual de Pesquisa e Estatística do Rio de Janeiro) e a Uerj tem autonomia administrativa, sem a interferência do governador. O advogado afirmou também que o decreto assinado por Castro para formalizar o uso dos órgãos para as ações questionadas “não influencia a execução dos projetos”.
A procuradora Neide Cardoso defendeu a cassação de Castro, bem como de todos os demais 13 réus, entre eles o vice-governador Thiago Pampolha (MDB) e o presidente da Assembleia Legislativa, Rodrigo Bacellar (União).
“O governador Claudio Castro teve decisiva atuação na Cperj e Uerj, como governador do estado e candidato à reeleição, para a confecção do objeto ilícito. Ele era o agente público detentor do poder político que se irradiou em todos os atos, inclusive subsequentes pelos demais investigados. Seja por ordem direta sua ou por seu alto escalão, seja por sua conivência e proveito eleitoreiro.”
ITALO NOGUEIRA / Folhapress